UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MATO GROSSO – UFMT
CAMPUS
UNIVERSITÁRIO DE RONDONÓPOLIS – CUR
INSTITUTO
DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – ICHS
DEPARTAMENTO
DE HISTÓRIA
ROMARIA
DOS MÁRTIRES EM RONDONÓPOLIS - MATO GROSSO: 1992-2006
Maria Aparecida Gonçalves
Rondonópolis - MT
2007
Maria Aparecida Gonçalves
ROMARIA
DOS MÁRTIRES EM RONDONÓPOLIS - MATO GROSSO: 1992-2006
Monografia
apresentada ao Departamento de História, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
do Campus Universitário de
Rondonópolis, da Universidade Federal de Mato Grosso, como um dos requisitos
para a obtenção do título de Licenciada em História, elaborada sob a orientação
da Professora Drª. Maria Elsa Markus.
Rondonópolis - MT
2007
Maria Aparecida Gonçalves
ROMARIA
DOS MÁRTIRES EM RONDONÓPOLIS - MATO GROSSO: 1992-2006
Monografia submetida à Comissão
Examinadora designada pelo Curso de Graduação em História como requisito para
obtenção do grau de Licenciada em História.
Rondonópolis/Fevereiro/2007.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Profa. Dra.
Maria Elsa Markus (orientadora)
Universidade Federal de Mato
Grosso – Rondonópolis-MT
__________________________________________________
Pe. Giovane Pereira de Melo
(examinador convidado)
Pároco da Paróquia Nª. Sª.
Aparecida – Rondonópolis-MT
AGRADECIMENTOS
Assim como todo trabalho científico, este
não poderia ter sido realizado de forma isolada e sem a colaboração de
professores e de tantas outras pessoas que, direta e indiretamente, prestaram
sua colaboração.
Em primeiro lugar agradeço a Deus, por Sua
presença em minha vida e, especialmente, durante a realização desse trabalho.
Aos meus pais: Aldegundes José Gonçalves (in
memorian) e Terezinha Maria Gonçalves. À minha mãe, em especial, que sempre
esteve ao meu lado, incentivando-me.
À Profª. Drª. Maria Elsa Markus, que soube
lidar com minhas limitações e por ter me aceitado como sua orientanda.
Aos meus filhos: Igor Leonardo G. de
Oliveira e Itamar Eduardo G. de Oliveira, pela tolerância, carinho, apoio e
compreensão, nos momentos mais difíceis do curso.
Aos meus irmãos, em especial à minha irmã
Marlene Gonçalves, pela compreensão e incentivo para que eu chegasse ao término
do Curso de Graduação, de Licenciatura Plena em História.
Ao meu querido sobrinho Fabrício Gonçalves,
por sua colaboração durante este trabalho.
À professora Laci Maria Araújo Alves, que
fez de suas aulas momentos de grande aprendizagem.
RESUMO
O presente
estudo foi construído por meio de diversas fontes. Ele tem por objetivo
conhecer um pouco melhor, bem como fazer um registro sobre a Romaria dos
Mártires, que vem ocorrendo em Rondonópolis-MT.
Temporalmente, abrange o período que compreende os anos de 1992, ano este, em que
ocorreu a primeira Romaria, e 2006, ano da sua décima quinta edição.
A
ALN
Ação Libertadora Nacional..................................................................................................................................................... 73
AMPDF
Associação Mundonovense dos Portadores de Deficiência
Física......................................................................................... 76
B
BA
Estado da Bahia...................................................................................................................................................................... 78
C
CE
Estado do Ceará............................................................................................................................................................... 73,
74
CEBs
Comunidades Eclesiais de Base........................................................................................................................... 10,
36, 71, 72
CF
Campanha da Fraternidade..................................................................................................................................................... 49
CPT
Comissão Pastoral da Terra.................................................................................................................................................... 71
CUR
Campus Universitário de Rondonópolis............................................................................................................................ 0,
15
D
DF
Distrito Federal...................................................................................................................................................................... 77
DOI-CODI/SP
Destacamento de Operações de Informações - Centro de
Operações de Defesa.................................................................... 73
F
FUNAI
Fundação Nacional do Índio...................................................................................................................................... 20,
21, 78
I
ICHS
Instituto de Ciências Humanas e Sociais............................................................................................................................ 0,
15
J
JEC
Juventude Estudantil Católica................................................................................................................................................. 73
M
MG
Estado de Minas Gerais......................................................................................................................................................... 69
MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.................................................................................... 22,
24, 26, 36, 76, 84
MT
Estado de Mato Grosso.... 0,
1, 2, 4, 8, 9, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 24, 26, 33, 34, 38, 40, 50, 57,
58, 68, 69, 81, 83, 84
O
ONU
Organização das Nações Unidas............................................................................................................................................ 77
P
POLOCENTRO
Programa de Desenvolvimento dos Cerrados........................................................................................................................ 25
PROTERRA
Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à
Agroindústria do Norte e Nordeste................................................... 25
S
SUDAM
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia............................................................................................................. 25
T
TRF
Tribunal Regional Federal...................................................................................................................................................... 78
U
UDR
União Democrática Ruralista.................................................................................................................................................. 77
UFMT
Universidade Federal de Mato Grosso............................................................................................................................... 0,
15
UNE
Congresso da União Nacional dos Estudantes....................................................................................................................... 73
USP
Universidade de São Paulo.................................................................................................................................................... 73
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Quando foi dito na sala de aula que a Monografia é uma
disciplina obrigatória do Curso de Graduação, de Licenciatura Plena em
História, e que o estudante para terminá-lo deveria, ao seu final, entregar um
estudo monográfico sobre um tema que tivesse relevância social e científica,
daí veio o desespero, pois eu não sabia o que pesquisar. Isto, porque passei
grande parte da minha vida cuidando de casa, marido e filhos, resultando daí
que eu não lia muito, dedicando-me pouco aos estudos. Para falar a verdade, não
lia quase nada, estando presa ao meu “mundinho” do lar. Somente voltei a
estudar quando meu primeiro marido saiu de casa, após a nossa separação.
Contudo, há algo em minha vida além da minha família, a que me
dedicava e a que ainda me dedico: a religião pela qual fiz a minha opção, ou
seja, a religião Católica.
Lembro-me que quando meus oito irmãos e eu éramos crianças, a
minha mãe, dona Terezinha Maria Gonçalves, que tomava conta da Paróquia São
João Batista em Guiratinga, Estado de Mato Grosso, ensinou-nos a participar das
missas e dos eventos da Igreja Católica.
Dessa forma, cresci vivenciando ativa participação religiosa.
Depois de três anos de casada mudei para Rondonópolis – Mato Grosso, onde
continuei participando dos eventos católicos na Catedral Santa Cruz, localizada
no bairro Santa Cruz. Hoje, participo da Paróquia Bom Pastor, localizada no
bairro de igual nome, porque mudei de bairro e ela fica próximo à minha
residência, no bairro Jardim dos Pioneiros, portanto, próximo à Paróquia já
citada.
Foram minhas experiências religiosas que me levaram a pensar que
talvez eu pudesse trabalhar sobre uma temática ligada à religiosidade.
Em 1992, aconteceu a primeira Romaria dos Mártires, na cidade de
Rondonópolis-MT, e como já disse, sempre
procurei participar de celebrações e eventos realizados pela Igreja Católica.
Assim sendo, não foi diferente em relação ao evento ora assinalado. Dele, tenho
participado quase todos os anos, tendo faltado somente algumas vezes por
motivos muito sérios. Daí ter pensado em fazer a minha pesquisa sobre essa
Romaria. Contudo, eu não sabia se poderia, pois como já mencionei, de acordo
com alguns professores com quem conversei e com estudiosos que tratam sobre a
pesquisa, o tema a ser pesquisado deve ter relevância social e científica.
Seria o tema que pensei desenvolver um tema relevante? A quem ele seria
relevante? Por quê? Para quê?
Com essas indagações, procurei a professora doutora Maria Elsa
Markus e perguntei a ela se poderia ser a minha orientadora. Escolhi-a pela
seriedade com que ela faz o seu trabalho em sala de aula, pois já fora minha
professora em duas disciplinas: Métodos e Técnicas de Pesquisa e Teoria da
História. E, como ela aceitou, perguntei-lhe se poderia elaborar um projeto de
pesquisa que tivesse como tema a Romaria dos Mártires. Ela me disse que sim,
por entender que este poderia ser um assunto que interessaria inicialmente, por
exemplo, às próprias comunidades
católicas.
Na avaliação da professora acima mencionada, as comunidades
católicas teriam num estudo como este, uma possibilidade de refletir sobre uma
de suas práticas, que, no seu entendimento, envolve outros setores da sociedade,
extrapolando, portanto, o âmbito da Igreja Católica enquanto uma expressão
somente da religiosidade e da fé católicas, estendendo-se para os âmbitos
sócio-político, apresentando-se, certamente, como um forte elemento da cultura
religiosa local e regional. Já se sabe que pessoas – e não só católicos, dela
vêm fazendo parte, tais como representantes de movimentos sociais, de grupos
indígenas, etc. Por outro lado, católicos de outros municípios, destes
deslocam-se para Rondonópolis, para participar da Romaria.
Nesse sentido, segundo a mesma, um estudo como este diz respeito
à História Social e Cultural, podendo interessar também às ciências das
religiões, que lidam com temáticas atinentes às religiosidades populares, entre
outras.
Assim, sem nenhuma experiência na construção de conhecimentos na
área de História, pois quando pensei sobre a escolha do tema ainda estava
cursando o primeiro ano do curso, ao contar com a colaboração de minha
orientadora, iniciei a pesquisa, começando pela Diocese de Rondonópolis, onde
fiz os primeiros levantamentos documentais sobre a Romaria dos Mártires.
Naquela ocasião, a pessoa responsável pelo arquivo da Diocese,
disse-me para desistir, porque eu não iria conseguir escrever sobre tal evento.
Isto porque, segundo a mesma, ele vem acontecendo somente há doze anos, não
havendo material suficiente, na sua avaliação, para se fazer um trabalho da
natureza que eu estava propondo.
Isso, no começo, desanimou-me muito. Contudo, pensei melhor. Foi
quando decidi ir até à Paróquia Bom Pastor, que é a minha comunidade religiosa,
conversar com o padre Eriovaldo Couto Queirós. Ele me animou muito. Disse-me
que há muito tempo já deveria ter-se escrito um livro sobre a Romaria dos
Mártires. Falou-me ainda que na Diocese há material sim, o suficiente para uma
pesquisa, e que até mesmo ele guarda consigo
algum material a respeito. Ele também me disse que nas minhas
dificuldades eu poderia contar com a sua colaboração para esclarecer as dúvidas
que fossem surgindo.
Assim, no dia seguinte à conversa com o Pe. Eri (como é
popularmente chamado o pároco da Paróquia Bom Pastor), voltei à Diocese e
procurei pela senhora responsável pelos arquivos desta Instituição. Disse a ela
que eu resolvera levantar a documentação que o arquivo dispunha. Assim, comecei
a fazer a minha pesquisa. Todos os dias, por um bom tempo, eu passei tardes
inteiras na Diocese.
No terceiro dia da minha estada lá, recebi a visita de Dom
Juventino Kestering, Bispo Diocesano de Rondonópolis, que gostou muito de saber
que havia alguém interessado em escrever sobre esse tema. Ele me disse ainda,
que se eu precisasse de sua ajuda, poderia contar com ela. Fiquei muito feliz,
isto porque eu, que primeiro havia sentido medo de não ser possível escrever
sobre a Romaria dos Mártires, agora já podia pensar não só que era possível,
assim como também poderia contar com a ajuda do Pe. Eri e do Bispo D. Juventino
Kestering. E ainda mais: poderia contar também com a contribuição do Pe.
Giovane Pereira de Melo, que atualmente trabalha na Diocese de Rondonópolis e
que teve ativa participação na organização das primeiras romarias em
Rondonópolis, portanto, uma memória das mesmas, que agora poderia tornar-se
história.
Assim que terminei a minha pesquisa na Diocese, fui para o
Jornal A Tribuna, em busca de mais informações. Nele, de início, também
enfrentei certa resistência em ser atendida. A pessoa responsável pelo arquivo
pediu que eu voltasse no dia seguinte, às doze horas.
No outro dia, quando lá cheguei, a secretária chamou tal pessoa,
que me disse não lembrar de ter dito para que eu voltasse. Então, procurei ser
o mais simpática possível, explicando novamente o motivo da minha presença ali,
especialmente da minha pesquisa – que ela é uma etapa obrigatória na minha
formação e para a conclusão do meu curso. Ele acabou atendendo-me, permitindo o
acesso aos jornais do arquivo. Contudo, tive outra dificuldade, que foi o
manuseio dos mesmos, já que não havia um espaço adequado à consulta. Ainda
assim, consegui realizá-la.
Dessa maneira, da minha própria experiência religiosa, pelo que
se pode ver, retirei o tema que passou a dar contornos à pesquisa.
Por trás do motivo pessoal já citado para a investigação
histórica desse tema, havia uma indagação que me instigava e que representa no
presente estudo a minha problemática inicial: Que razões levaram a Igreja
Católica à realização da Romaria dos Mártires e que características tal evento
vem apresentando em Rondonópolis? Desejava, portanto, saber sobre sua
origem, organização, finalidades, quem são os envolvidos na sua realização, por
que tal evento é realizado etc. Isto, porque, quem só participa da Romaria dos
Mártires como caminhante, não imagina o trabalho que há por trás, quantas
pessoas estão envolvidas, que pretensões tal evento carrega etc., o que a documentação
levantada e consultada me permitiu, de certa maneira, dimensionar.
Agora, considerando a oportunidade que tive em realizar uma
pesquisa, penso ter sido interessante desenvolver este estudo, que tem por tema
“A
Romaria dos Mártires” e como objeto de estudo “A história da Romaria dos
Mártires em Rondonópolis – MT”.
Ele abrange o período que se estende do ano de 1992, em que aconteceu a primeira
delas, a 2006, ano em que foi realizada a sua 15ª edição. Portanto, o
presente estudo representa uma possibilidade de ampliar o meu próprio olhar
sobre a Romaria dos Mártires, apreendendo-a cientificamente, o que sei ser
bastante pretensioso pelos limites que tenho, ainda assim firmemente decidida a
começar a enfrentá-los.
Meu objetivo maior foi construir um conhecimento possível sobre
a história da Romaria dos Mártires, em Rondonópolis – MT,
no período acima assinalado, que desse conta de suas origens e como ela tem
acontecido localmente, sistematizando um saber sobre tal evento que permita um
maior conhecimento, compreensão e análise sobre o mesmo, a partir de
referências por mim adotadas, o que implica, de antemão, dizer que outros
olhares poderão ser elaborados.
Alguns são os meus objetivos específicos no estudo desenvolvido:
saber sobre a origem da Romaria dos Mártires; o sentido de sua denominação –
porque essa procissão tem tal nome; elaborar um breve histórico sobre os
mártires que são lembrados; situar razões que levam à homenagem dos mesmos;
levantar os significados da categoria mártir e seu uso à luz do evento e de
suas finalidades; assinalar etapas organizativas da Romaria dos Mártires, os
setores sociais nelas envolvidos e as tarefas que são realizadas; evidenciar o
evento nas suas ocorrências (a cada ano que já aconteceu/trajetos
feitos/paróquias que participam/visitantes/ temas/rituais que dele fazem
parte/comissões organizadoras etc.); conhecer razões que levam tantas pessoas a
dele participar, ouvindo algumas delas etc.
Quanto ao quadro teórico, creio poder inscrever o tema “Romaria
dos Mártires” dentro de um quadro de referências que remete a dimensões de
caráter sócio-cultural, o que, no meu entendimento, coloca como uma das
necessidades iniciais dialogar com a Antropologia, e situá-lo também
inicialmente, no campo de investigação relacionado à História Cultural e à
História Social.
Na Antropologia um dos conceitos chaves que busquei para
entender o meu tema foi o conceito de Cultura. A obra consultada foi
“Antropologia: uma Introdução”,[2] das
autoras Marina de Andrade Marconi e Zélia Maria Neves Pressotto.
De acordo com as mesmas, para os antropólogos a cultura “engloba
os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos,
em sociedade.”[3] Assim, na
pesquisa bibliográfica que fiz, procurando promover um diálogo entre o meu tema
e a Antropologia, deparei-me com o conceito proposto por Edward B. Tylor.
Segundo ele, “cultura […] é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as
crenças, a arte, a moral, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões
adquiridos pelo homem como membro da sociedade.”[4]
Já, Felix M. Keesing, este tem a cultura como “comportamento
cultivado, ou seja, a totalidade da experiência adquirida e acumulada pelo
homem e transmitida socialmente, ou ainda, o comportamento adquirido por
aprendizado social.”[5]
Para G. M. Foster, a cultura é “a forma comum e aprendida do dia-a-dia,
compartilhada pelos membros de uma sociedade, constante da totalidade dos
instrumentos técnicos, instituições, atitudes, crenças, motivações e sistemas
de valores conhecidos pelo grupo.”[6]
A partir desses conceitos, creio ser possível, hipoteticamente,
dizer que a Romaria dos Mártires é um elemento da cultura humana, também
presente na cultura local, apreendida e socialmente partilhada, que inclui
conhecimentos, crenças, arte, moral, costumes, valores etc., que envolve
diferentes setores, com finalidades às vezes semelhantes e em alguns aspectos
diferentes.
Em Rondonópolis-MT, a Romaria dos Mártires
emergiu por meio da Igreja Católica e vem acontecendo a 15 anos, sendo essa
tradição transmitida, por exemplo, de pais para filhos, como acontece com
muitos que participam desde criança de tal evento e que agora levam seus
filhos, realizando assim um ciclo de transmissão/socialização desse elemento da
cultura, que traz outros tantos nele embutidos.
Outro conceito que busquei na Antropologia foi o de “Religião”.
Segundo as autoras consultadas, “a religião é um aspecto universal da cultura
[…]”[7]. Ou seja,
a religião é um elemento da cultura comum a muitas pessoas. É da religião que
emerge o meu tema A Romaria dos Mártires,
esta que entendo como uma de suas manifestações.
A religião como um elemento da cultura, historicamente vem sendo
passada de pai para filho desde a Antigüidade, quando ela era puramente
doméstica e tinha o pai como chefe religioso. As casas permaneciam com o “Fogo
Sagrado” aceso o tempo todo. Nelas, eram feitas também as oferendas aos mortos.
Segundo Fustel de Coulanges,
Toda essa religião se limita ao interior de cada casa. O
culto não era público.[8] Somente a partir de Jesus Cristo, começou-se
a conceber Deus como sendo […] estranho
à natureza humana […] um ser único […] O culto passou a não ser mais secreto;
os ritos, as orações […] nunca mais foram escondidos […][9]
Nesta perspectiva, hoje há uma grande abertura religiosa, com
inúmeras formas de manifestações de fé, não só de caráter privado, mas também
de caráter público. A Romaria dos Mártires, no meu entendimento, é uma entre
tantas.
Do ponto de vista historiográfico, o estudo temático que
proponho pode ser desenvolvido dentro dos quadros de referência da História
Cultural, já que se trata de uma dimensão da cultura religiosa. Por
outro lado, pode ser inscrito nos quadros de referência da História Social, pois
este estudo abordará também a experiência humana num evento em que as pessoas
são protagonistas.
Nas pesquisas bibliográficas que
fiz, apoiei-me no livro de José de Assunção Barros,[10] que traz reflexões por ele desenvolvidas
sobre o campo da História Social e da História Cultural; no livro organizado
por Ciro Flamarion Cardoso e
Ronaldo Vainfas,[11] que traz
também reflexões feitas por alguns autores sobre os campos da história antes
citados; em José Luiz Santos,[12] que aborda
diversas dimensões do conceito de
cultura; em Ronaldo Vainfas,[13] que discute a presença dos sujeitos na
construção da história (sujeitos comuns); em Marina de Andrade Marconi e
Zélia Maria Neves Presotto já citadas, que discutem, entre outros
conceitos da Antropologia, os conceitos de cultura e de religião.
Para a elaboração do contexto histórico do município de
Rondonópolis, Mato Grosso, consultei alguns estudos feitos por pesquisadores da
Universidade Federal de Mato Grosso, Campus
Universitário de Rondonópolis. Entre eles, estão os estudos da Drª. Maria
Elsa Markus, Dr. Paulo Augusto Mário Isaac, Dr. Flávio Antônio da Silva
Nascimento, Ms. Plínio José Feix e Drª. Luci Léa Lopes Martins Tesoro.
Sobre religião, consultei Castro M. Bartolomé Ruiz, Jaqueline
Hermann, Fustel de Coulanges, Raimundo Arrais, Fernando Torres Londoño etc.
Consultei também Antônio Joaquim Severino[14] e Maria
do Pilar de Araújo Vieira (et alii),[15]com
vistas à elaboração do projeto de pesquisa.
Além das fontes bibliográficas já citadas, outras mais foram
usadas, tais como as fontes escritas (a exemplo do Jornal A Tribuna, aonde fiz pesquisa
em arquivos de jornais; institucionais, a exemplo dos documentos que consultei
na Diocese) e outras. Também construí algumas fontes orais, através de
entrevistas gravadas com participantes da Romaria dos Mártires, tais como as realizadas com as senhoras Terezinha Maria
Gonçalves, 71 anos, aposentada, moradora do Bairro Marinópolis, Rondonópolis-MT;
Raulina Medeiros Guedes, 59 anos, do lar, moradora do Bairro Santa Cruz,
Rondonópolis-MT; Maria Beltrame, 40 anos, do
lar, moradora do Bairro Bom Pastor, Rondonópolis-MT;
com os jovens Edér Bruno dos Santos, 21 anos, trabalhador em serviços gerais,
morador em Pedra Preta-MT; Daiane Alves dos Santos, 16
anos, empacotadeira e estudante, moradora do Jardim Liberdade, Rondonópolis-MT;
Welinton Machado Cabral, 21 anos, motorista, morador do Jardim Adriana,
Rondonópolis-MT; José Carlos Sousa Costa, 19
anos, professor, morador em Juscimeira-MT;
Ana Lúcia Alves de Lacerda, 20 anos, trabalhadora em serviços gerais, moradora
do Jardim Rondônia, Rondonópolis-MT;
Bárbara Mascarenhas, 22 anos, secretária, moradora em Juscimeira-MT;
Ivanildo José Ferreira, advogado e professor do Departamento de História/ICHS/CUR/UFMT, que vem participando da
organização da Romaria dos Mártires. Fotografias (muitas feitas por mim mesma),
e documentos áudio-visuais também usei para a elaboração do presente estudo.
Quanto ao desenvolvimento da minha pesquisa, orientei-me pelo
seguinte cronograma: na coleta dos documentos escritos e realização de entrevistas,
iniciei os trabalhos em 2003 e conclui no mês de janeiro de 2007. No que se
refere ao texto monográfico para o exame de qualificação, finalizei-o em meados
de fevereiro/2007. Já a versão final, foi concluída em meados de março/2007.
Penso que a minha pesquisa é importante tanto para mim quanto
para a sociedade de Rondonópolis porque os Mártires lembrados pela Igreja
Católica no Brasil são aqueles que deram sua vida, por exemplo, em causas
atinentes aos excluídos da terra, trabalhadores do campo etc., que buscam por
terras para o trabalho, para alimentar suas famílias, que lutam por justiça
social, por mais dignidade às pessoas; mártires que lutaram contra a opressão;
que lutaram contra diferentes formas de exploração etc., e que não devem ser
esquecidos. Como se sabe, a cada ano
surgem novos conflitos no campo, entre latifundiários e excluídos da terra. É
aí que também estão essas pessoas, religiosas ou não, que arriscam suas vidas,
confrontando, denunciando, organizando etc. Ao buscarem amenizar esses
conflitos, muitas delas são assassinadas.
Sendo assim, minha monografia também poderá servir para manter
viva a memória dos religiosos e dos trabalhadores rurais (pessoas comuns
fazendo História), pessoas essas que passaram a protagonizar ações, tomar iniciativa
em suas lutas a favor dos injustiçados, e que acima de tudo animam pessoas,
muitas vezes milhares delas, a lutarem por seus direitos. Em relação à
Academia, penso que meu estudo é importante porque aborda um tema que está
relacionado à História Cultural e à História Social, trazendo um tema vinculado
à religiosidade popular para uma apreensão científica.
Esta Monografia está assim organizada.
Já na Introdução eu apresento o tema – “Romaria dos Mártires”; o
objeto de estudo – “Uma história da Romaria dos Mártires em Rondonópolis-MT,
no período de 1992 a
2006”,
portanto, delimitando-os espaço-temporalmente, assinalando alguns conceitos
utilizados no ponto de partida, contando parte da história da pesquisa que fiz.
Na Unidade I, esboço, por meio de estudos consultados, um breve
histórico de Rondonópolis-MT, por ser no contexto desse
município que localizo o objeto de estudo.
A Unidade II trata sobre religião: transformações ocorridas desde
as primeiras formas de manifestação, especialmente rompendo o espaço privado,
valendo-se do espaço público a partir daí, citando, nesse sentido, as
procissões e as romarias como uma de suas modalidades.
Quanto à Unidade III, nela assinalo a origem e finalidades da
Romaria dos Mártires, e alguns dos seus sentidos.
Na Unidade IV, descrevo a organização da Romaria dos Mártires em
Rondonópolis – MT, e alguns aspectos que a
constituem, apreciando em especial, os cantos.
A Unidade V é um registro das romarias que adotaram lemas da
Campanha da Fraternidade e algumas reflexões que oportunizaram.
Na Unidade VI situo a trajetória urbana das romarias.
Quanto a Unidade VII, nela evidencio alguns aspectos biográficos
de mártires que têm sido lembrados e homenageados nas romarias.
UNIDADE I
Para a elaboração deste breve histórico sobre o município de
Rondonópolis, Estado de Mato Grosso, busquei referências em estudos realizados
por professores pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis.
Entre eles, estão os estudos da Drª. Maria Elsa Markus, Dr. Paulo Augusto Mário
Isaac, Dr. Flávio Antônio da Silva Nascimento, Ms. Plínio José Feix e Drª Luci
Léa Lopes Martins Tesoro.
Rondonópolis é um município que está situado na região Sudeste
de Mato Grosso. Tem uma extensão territorial de 4.165 km2, e
atualmente possui uma população aproximada de cento e oitenta mil habitantes.
Figura 1: Mapa Urbano de Rondonópolis
Fonte: Prefeitura Municipal de Rondonópolis.
Segundo estudos realizados no Sítio Arqueológico Ferraz Egreja,
os primeiros sinais de vida em terras que hoje pertencem ao município de Rondonópolis
datam de pelo menos cinco mil anos atrás.
Quanto à ocupação mais recente, de acordo com Luci Léa Lopes Martins
Tesoro, no ano de mil novecentos e quinze, Joaquim da Costa Marques, então
Presidente da Província de Mato Grosso, promulgou o Decreto Lei nº. 395, que
estabelecia uma reserva de 2.000 hectares para o patrimônio da povoação do
Rio Vermelho.
O povoado Rio Vermelho foi elevado a distrito em dez de agosto
de mil novecentos e quinze, ocorrendo a sua emancipação política em dez de
dezembro, de mil novecentos e cinqüenta e três, que foi regulamentada pela Lei
Municipal 2.777, de 22 de outubro de 1997[16].
À época, o lugar era povoado por índios Bororo, quando passou a
ocupá-lo também um destacamento militar na localidade de Ponte de Pedra, assim
como passou a ser procurado por pessoas que vinham para a região em busca de
riquezas, terra e trabalho.
Rondonópolis é considerada hoje o terceiro maior município de
Mato Grosso. É tido como o município mais desenvolvido economicamente. Contudo,
alguns dos estudos consultados dão conta que uma vasta extensão de terra está
nas mãos de grandes latifundiários, enquanto a maioria da população é esquecida,
inclusive pelo poder público, que deveria, pelo menos, prestar-lhe maior e
melhor assistência. Por outro lado, são inúmeras também as problemáticas
urbanas: nem todos têm acesso à água tratada, à moradia, à educação, à saúde,
ao transporte etc.
É nesse contexto que as diferenças entre as classes que o
compõem vão tornando-se visíveis, o que no município tem engendrado as lutas de
classes, colocando em lados opostos interesses antagônicos, dando visibilidade
a lutas sociais e políticas, que têm envolvido trabalhadores rurais e urbanos,
levando-os a se juntarem em certos momentos para lutar por direitos, tais como
o direito de acesso à terra, pelo direito ao trabalho, à saúde, ao seu
bem-estar e da sua família, a melhores salários etc.
Como teria sido a passado dessa região? Em que medida ele pode
contribuir para que entendamos esse presente de tensões?
Segundo pesquisa realizada por Paulo Augusto Mário Isaac[17], quando
os primeiros colonizadores chegaram à região Sudeste de Mato Grosso, no Século
XVII, encontraram aqui os “aborígines”, aos quais deram várias denominações,
tais como Porrudos, Coxiponeses, Cabaçais, Coroados, Orarimugadoge e a
denominação de Bororo.
Entretanto, sobre a origem do povo Bororo não se tem nada
comprovado. Alguns pesquisadores supõem que eles tenham vindo do Rio Negro,
passando pela Bolívia, devido a sua linguagem e aos seus adornos, que são
iguais aos que são usados na região citada.
Em resultado obtido por pesquisas arqueológicas realizadas em
mil novecentos e oitenta e três, na Área Indígena Tadarimana, ocupada pelo povo
Bororo, Irmhild Wüst diz que
Dentro da reserva indígena e num raio de aproximadamente de 50 km, foram levantados até
agora 29 sítios arqueológicos, 23 dos quais, sítios cerâmicos a céu aberto, 5
abrigos sob rocha e um sítio de arte rupestre a céu aberto[18].
Para Paulo Serpa[19],
O processo de contato dos Bororos com a sociedade se
desenvolve há três séculos e pode ser analisado em três etapas distintas. A
primeira etapa inicia-se em meados do século XVIII com a descoberta do ouro na
região de Cuiabá […] Essa etapa […] os bandeirantes […] promoveram várias
expedições punitivas contra os Bororos […]. A segunda etapa desse processo se
resume de contato de resume na ‘pacificação’ dos bororos […] Enfim, no século
XIX são encerradas as expedições punitivas […] iniciou-se então, o processo de
‘civilização’ com a fundação das Colônias Militares, em mil e oitocentos e
oitenta e sete, as colônias de Tereza Cristina e Isabel, ambas no Médio São
Lourenço, em mil novecentos e em mil novecentos e dois as Colônias Salesianas,
na área dos rios das Garças, das Mortes e Sangradouro. Em mil e novecentos e
dez, a criação do S.P.I., consolidou-se o processo de ‘pacificação’ com o
estabelecimento de áreas reservadas aos Bororos e a conseqüência ocupação do
território tradicional pelas frentes de mineração e agropecuária. A terceira
etapa se caracteriza pelo contato permanente com os elementos representantes
das frentes de expansão. Essa é a etapa mais dolorosa do processo histórico do
contato, quando os Bororos […] perderam seus territórios de exploração,
sofreram uma depopulação inusitada e passaram a depender exclusivamente dos
agentes da política indigenista oficial, por um lado pelo S.P.I. e
posteriormente pela FUNAI e, por outro lado, pelos missionários
salesianos. O resultado do processo de contato dos Bororo com os segmentos da
sociedade nacional caracteriza-se pelo esbulho da maior parte do seu território
tradicional e pela drástica redução de sua população.
No século XVIII, os Bororo ocupavam uma área de aproximadamente
trezentos e cinqüenta mil quilômetros quadrados. No entanto, hoje seu
território está reduzido a cinco áreas indígenas, num total de cento e quarenta
e um mil e seiscentos e oitenta e um alqueires, situados em oito municípios do
Estado de Mato Grosso.
Mas, a história do contato permanente dos “aborígines” da região
de Rondonópolis com a população das frentes de expansão, teve início, de acordo
com estudos consultados, em mil novecentos e dois, com a chegada de um grupo de
pessoas vindas do estado de Goiás, grupo este que se instalou às margens do rio
Vermelho, em um lugar denominado pelos migrantes, de “Vilarejo Rio Vermelho”, hoje
Rondonópolis.
Em nível local, é bastante perceptível decorrências da ocupação
branca no que se refere às populações indígenas aí presentes. Tomemos aqui como
exemplo a Aldeia Indígena de Tadarimana, localizada no município de
Rondonópolis, na bacia do rio Vermelho, às margens esquerda deste e do Rio
Tadarimana, e à margem direita do Rio Jurigue. Com uma área de aproximadamente
nove mil e setecentos e oitenta hectares, nela hoje vivem apenas duzentos e
dois índios Bororo.
Se em toda sociedade há contradições, com os Bororo não é
diferente. Atualmente, eles conseguiram um pouco de terra (não o suficiente).
No entanto, segundo Paulo Augusto Mário Isaac, além dos riscos, do descaso das
autoridades e de setores da população rondonopolitana, a área indígena citada,
bem como a população ali residente, corre sérios riscos por práticas efetuadas
por alguns índios dessa comunidade. Nela, foram constatados arrendamentos de
terra para pequenos agricultores residentes na região de Rondonópolis, e também
retiradas indiscriminadas de madeira e de bambu, problemas que, segundo o acima
mencionado pesquisador, já em mil novecentos e noventa e cinco a FUNAI, órgão responsável pelo
bem-estar dos índios, tinha conhecimento, sem ter, contudo, tomado as devidas
providências para solucioná-los, “por fazer parte da política de funcionários
do órgão encobrir ‘algumas irregularidades’ em troca de apoio político no órgão
indigenista”[20].
Percebe-se, portanto,
neste contexto, interesses de cunho particular imbricados em um órgão que
deveria zelar pelo interesse e bem-estar dos índios da referida região.
Lembrando em tempo que a comunidade indígena não se beneficiava com isso, pois
a renda era apropriada apenas por alguns indivíduos.
Apesar do longo tempo que se passou da dita “pacificação” dos
Bororo, estes ainda vivem no seu dia-a-dia a discriminação e a violência
sofrida no passado, tanto física quanto moral, sendo tratados como seres
diferentes dos outros seres humanos.
Podemos observar isso, quando índios Bororo vêm à cidade e ficam
na Praça dos Carreiros (região central da cidade de Rondonópolis). A maioria
das pessoas que por ali passa os olha com descaso, como que dizendo: “que
degradante!”; “esse problema não é meu!”, esquecendo-se (muitas vezes, até
desconhecendo), os reais motivos que levam os índios a viverem dessa maneira.
Há ainda mais um agravante, que é a expropriação de suas terras,
a qual eles tentam resistir bravamente, enfrentando a ganância do mundo e dos
interesses capitalistas.
Flávio Antônio da Silva Nascimento[21]
avalia que as origens do povoamento branco na região não estão completamente
esclarecidas. Provavelmente, tenha ocorrido por volta de mil oitocentos e
setenta e cinco, com a implantação de um destacamento militar. Mas há
divergências entre os estudiosos de período sobre essa data, principalmente
pela grande lacuna existente.
No tocante à ocupação branca, na avaliação de Plínio José Feix[22],
O processo de ocupação da microrregião foi protagonizado,
inicialmente, por três categorias de trabalhadores: os garimpeiros, que
desenvolveram as atividades de extração do diamante, principalmente nos
municípios de Poxoréu, Guiratinga e Itiquira; os pecuaristas, que desbravaram
principalmente os cerrados para a criação de gado de corte; e os agricultores,
que se fixaram em áreas de ‘terra de cultura’ para desenvolverem a agricultura
familiar.
Para Carmem Lúcia Senra Itaborahi de Moura, “as primeiras
famílias de agricultores se fixaram na atual cidade de Rondonópolis em 1902,
que na época era distrito do município de Poxoréu, do qual se emancipou em 1953”[23].
Até a década de hum mil novecentos e quarenta, a migração de
trabalhadores rurais vindos de outros estados foi um processo lento e
espontâneo, pelo que consta em alguns estudos pesquisados. De acordo com estes,
os migrantes vinham em busca do sonho de ficarem ricos, devido às descobertas
de minas de ouro e pedras preciosas. Também na esperança de obterem um pedaço
de terra, a fim de desenvolverem ali uma agricultura familiar. Em geral, eles
eram pessoas pobres e viam nessa possibilidade de acesso à terra a chance de
melhora de vida para si e suas famílias. Elas vinham também em busca de
trabalho.
Na apreciação feita por Flávio Antônio da Silva Nascimento,
percebe-se que ocorreram importantes transformações na região, na década de hum
mil novecentos e quarenta, tais como melhoria nas estradas, estas que
beneficiaram as comunicações e o fluxo de migração. Daí teve início o processo
de colonizações públicas, por meio das quais os trabalhadores se estabeleceram
na terra por meio de sua posse; e o processo de colonização privada, que era
feito por empreendimentos particulares, o que se dava através da venda de
pequenos lotes.
Esse processo de migração teria se dado por meio de várias
frentes de expansão. A primeira, que vai de hum mil oitocentos e setenta e
cinco a hum mil novecentos e quarenta, é denominada de Fase Pioneira, que foi
marcada pela persistência dos “pioneiros”. Isso porque além de chegarem a um
lugar “esmo”, encontraram nesta região a resistência indígena, apesar de os
pioneiros, com sua força (arma de fogo), terem conseguido “liquidar” essa
resistência, pelo menos o suficiente para fazê-los permanecer. Assim, eles
conseguiram edificar neste local, um vilarejo, no intuito da realização dos
seus próprios propósitos, dos quais a população indígena parece não ter feito
parte.
É claro que eles não tiveram todos os seus sonhos realizados. No
entanto, os migrantes que vieram para esta região na década de quarenta,
puderam realizar e implantar muitos deles. Isto é, na década de um mil
novecentos e quarenta, homens e mulheres, anônimos migrantes, possibilitaram o
crescimento populacional (o que elevou Rondonópolis nos anos de hum mil
novecentos e noventa à terceira cidade mais populosa do Estado de Mato Grosso);
também, deram início ao crescimento econômico da região. Por exemplo: eles
buscavam por terras de cultivo e para a criação de gado, e Rondonópolis
correspondia a essa expectativa devido ao seu ecossistema.
Esse desenvolvimento teria ocorrido também, graças à atuação da
Comissão Rondon, que tinha à sua frente o Marechal Cândido Rondon.
Além da instalação da linha telegráfica pela mesma, ela também
contribuiu com a construção de uma estrada que ligava Goiás com Cuiabá. Daí, em
hum mil novecentos e dezesseis, o povoado Rio Vermelho ter tido a sua primeira
casa do comércio; em hum mil novecentos e vinte e dois, já com sua elevação a distrito
e a mudança de seu nome (que de povoado Rio Vermelho passou a se chamar
Rondonópolis em homenagem a Marechal Cândido Rondon), foi instalado aqui um
ponto telegráfico, ocorrendo no ano de hum mil novecentos e vinte e quatro a
primeira transmissão.
O primeiro diretor dessa
estação teria sido Benjamim Rondon, filho do Marechal Cândido Rondon. Ele
também foi responsável pela construção da primeira balsa, que era utilizada
para fazer a travessia do Rio Vermelho, já que na época não havia uma ponte
sobre o mesmo.
Em hum mil novecentos e quarenta e dois houve a construção de
uma ponte sobre o Rio Vermelho, que logo foi levada pela enchente.
Apesar da melhora que a abertura de estrada trouxe para o
povoado, este, contudo, passou por adversidades no final dos anos vinte e
começo da década de trinta, tais como a estada dos “revolucionários” da Colona
Prestes, que de acordo com registros consultados e com avaliações neles
contidas, “saqueavam” em busca de alimentação; doenças como o “fogo selvagem”,
que causou muitas mortes; enchentes; diminuição das atividades garimpeiras nas
áreas próximas etc., causando o desaceleramento do crescimento populacional, na
avaliação de alguns. Segundo Flávio Antônio Nascimento, em hum mil novecentos e
vinte e cinco, o povoado tinha vinte e cinco pessoas, tendo ocorrido, portanto,
um certo “esvaziamento” do lugar.
Contudo, no final dos anos de hum mil novecentos e quarenta
foram implantadas nesta microrregião várias colônias agrícolas. Daí até hum mil
novecentos e sessenta, houve um intenso movimento migratório para a mesma.
Grandes proprietários de terra vieram de outros estados em busca de terra
barata. Além desses, vieram outros migrantes. A maior parte deles era de
trabalhadores rurais pobres, vindos do interior do Nordeste, do Sudeste, do
Sul, que vinham, na visão de alguns pesquisadores, em busca de terra, mas o que
a maioria deles conseguiu foi tornar-se apenas mão-de-obra barata.
Esse período teria sido a fase do capitalismo mercantil, que,
segundo Plínio José Feix, “extraía parcela da renda dos trabalhadores rurais
através de transações comerciais e que exigia deles, assim, um sobretrabalho
para garantir sua sobrevivência” [24].
Na realidade, essa era a principal forma de subordinação e de
exploração dos pequenos produtores e trabalhadores rurais, solidificando cada
vez mais a apropriação, pelos capitalistas, das terras aqui existentes. Ou
seja, os capitalistas recebiam terras doadas pelo governo ou compradas por
preços irrisórios, tornando-se grandes latifundiários na região.
Houve aí, portanto, uma intensificação da migração; da
apropriação privada de terras e do desenvolvimento econômico e social da
região. Esse movimento ficou conhecido como a Fase de Fronteira Agrícola.
É claro que a ação do Estado foi de fundamental importância para
a ocupação e desenvolvimento socioeconômico da microrregião aqui tratada, pois
já com a “Marcha para o Oeste” o governo doava terras, principalmente para a
iniciativa privada.
Neste contexto, na avaliação de alguns estudiosos, o que teria
favorecido o crescimento da economia foi a construção de estradas, pois
Rondonópolis estava situada em uma posição geográfica privilegiada. Assim,
tornou-se entroncamento de duas rodovias - uma ligando Cuiabá – Rondonópolis –
Campo Grande (atual BR 163), e outra ligando Cuiabá – Rondonópolis – Goiás
(atual BR 364).
Já, o período entre hum mil novecentos e sessenta e hum mil
novecentos e oitenta, conhecido como Frente de Integração Econômica, teve como
principal característica o processo de expansão do capitalismo na agricultura,
com grande concentração de terras nas mãos de empresários, o que gerou maior
aceleração na ocupação do território e que trouxe consigo a chamada
“modernização”, que acabou por “revolucionar” a agricultura e a pecuária, que
contaram com incentivos governamentais, por intermédio de programas, tais como:
POLOCENTRO, SUDAM, PRODOEST, PROTERRA.
O maior impulso para o desenvolvimento foi o cultivo da soja,
iniciado na década de setenta, tornando-se o principal produto de exportação.
Isso se deve principalmente à inovação tecnológica na produção, o que fez com
que a região desenvolvesse relações comerciais nesse setor com outros setores
da economia, relações essas em nível local, regional e internacional.
Rondonópolis se tornou um dos municípios de grandes plantações
de soja, do Estado de Mato Grosso, o que pode ser constatado em épocas de
plantio, pois até em regiões como a que liga Guiratinga a Barra do Garças, onde
até pouco tempo atrás se via apenas plantações de arroz e feijão, hoje,
praticamente só se vê o verde da soja.
A inovação tecnológica na produção fez com que a partir daí
ocorresse a supervalorização da terra. Com isso, os posseiros acabaram por ser
expulsos da mesma, o que levou muitos desses trabalhadores rurais para a cidade
de Rondonópolis, agravando ainda mais os problemas sociais já existentes.
Nessa época, até mesmo pela abundância de mão-de-obra, chegou a
ser praticada a escravidão por dívidas, prática realizada em muitas grandes
fazendas. Aliás, ainda hoje não é incomum a constatação desse tipo de escravidão
no estado de Mato Grosso.
É nesse processo de desenvolvimento do capitalismo que se
agravaram ainda mais as contradições geradas por este sistema em Rondonópolis,
como avalia Maria Elsa Markus, ao dizer que, nesse contexto,
ganha importância […] a questão urbana, por conta do seu
agravamento em Rondonópolis, no mesmo
período, principalmente com o aumento
populacional, que não vem sendo acompanhado, na mesma medida, de garantias
necessárias à inclusão social […] o desemprego, o subemprego, a falta de
moradia, de saneamento básico, de acesso à escola […] a saúde pública está
longe de assegurar as condições mais elementares àqueles que demandam os seus
serviços; há um aumento assustador da
criminalidade, do tráfico de drogas, da prostituição; o salário é
humilhante […] sem esquecer a acintosa existência de nichos de prosperidade e
riqueza que, não se há de ter dúvida, contemplam uma minoria de pessoas,
através do aviltamento da minoria.[25]
Muitos desses aspectos acima situados para serem constatados
basta ir até a região central de Rondonópolis, onde durante o dia há um
crescimento cada vez maior de pessoas mendigando; à noite é possível ver jovens se prostituindo e
fazendo uso de drogas. Isso se deve principalmente à má distribuição de renda,
ou seja, um grande acúmulo de riqueza nas mãos de poucos, enquanto a maioria
perece, como se não fizesse parte dessa sociedade.
Para Plínio Feix, “a questão agrária e a questão urbana são as duas
questões sociais mais explosivas na microrregião de Rondonópolis”.[26]
Com pouco mais de 50 anos de emancipação
político-administrativa, com uma população aproximada de 180 mil habitantes,
Rondonópolis se tornou conhecida como a “Capital Nacional do Agronegócio”.
No entanto, o modelo de
desenvolvimento praticado na região tem trazido benefícios para os empresários
capitalistas e acentuado cada vez mais a exclusão social, pois enquanto o
agronegócio tem estado em franca expansão nesses últimos anos, na periferia da
cidade surgem, a cada dia, bairros carentes, sem nenhuma infra-estrutura.
É nesse contexto de profundas desigualdades que nesses últimos
anos vem ocorrendo a Romaria dos Mártires, tema do presente estudo.
UNIDADE
II
Na Antiguidade, a religião era puramente doméstica, ou seja,
cada família tinha seu próprio deus e esse deus só poderia ser adorado por essa
família. Cada casa tinha um lugar reservado para o fogo, que por ser
considerado sagrado, era mantido sempre aceso. A religião, por ser doméstica,
“se limitava ao interior da casa. O culto não era público,”[27]
e assim cada família tinha suas regras e seus rituais diferenciados das demais
famílias.
Neste contexto, a religião era passada de pai para filho (sexo
masculino), que transmitia junto a sua crença, que herdou, por sua vez, de seus
antepassados. Nesse conjunto de crenças estavam os ritos, o culto aos mortos,
que para a família eram tidos como deuses protetores; o culto ao Fogo Sagrado,
que segundo Fustel de Coulanges, “O fogo do lar era, pois, a providência da
família […] ofereciam-lhe sacrifícios […] [que] resumiam em alimentar e avivar
o fogo sagrado […]”[28] Assim, a
religião era o principal elo de união entre a família. No entanto, como citado
acima, só participava e era herdeiro na transmissão da religião o filho do sexo
masculino.
Com o passar do tempo, algumas famílias se uniram, formando
grupos, e com isso conceberam uma divindade superior a seus deuses domésticos.
Para Fustel de Coulanges, a união desses grupos familiares diversos deu origem
às tribos. A partir daí, cada tribo passou a ter um altar, onde reverenciavam
sua divindade protetora.
Com os novos modos de agir e pensar humanos, surgiu a crença nos
deuses de natureza física, tais como Zeus, Hera, Atenas, etc.
Assim, a religião foi crescendo e se expandindo. Com isso, a
sociedade foi fortalecendo-se ainda mais, pois para essas pessoas a cidade não
era mais que uma associação religiosa das famílias, ou seja, era a religião que
ditava todas as regras que deveriam ser seguidas. Então, cada cidade tinha seus
deuses que só a ela pertenciam e protegiam, e os homens só a esses deuses
conheciam. Ao homem não cabia escolher sua crença. Se ele morava em determinada
cidade, ele deveria acreditar e submeter-se às regras, participar dos banquetes
da religião dessa cidade. Os que não seguiam os mandamentos dessa religião eram
penosamente castigados.
De acordo com Fustel de Coulanges, “A religião era um conjunto […]
de pequenas crenças, de pequenas práticas e de muitos minuciosos ritos”.[29]. Além
disso, a religião estava presente em tudo que os cidadãos faziam, isto é, se
duas cidades entrassem em guerra, não era apenas os soldados que lutavam entre
si; os deuses das duas cidades também faziam parte dessa luta.
Contudo, com as transformações ocorridas ao longo do tempo na
sociedade, a religião perdeu o caráter de hereditariedade. Foi criada uma nova
religião, ascenderam lares domésticos, altares de encruzilhadas, lares de
tribos, passaram a acreditar que o culto era para todos, sem distinção de
classe. Na verdade, tudo começara realmente a mudar, pois a religião que fora
durante longos séculos a única orientação de governo, a partir dali o interesse
público começou a substituí-la, ou seja, o governo passou a atender as
necessidades dos cidadãos não mais baseando suas decisões no que mandava a religião.
A partir daí, podemos dizer que a religião deixou de governar. Neste contexto,
a religião primitiva sofreu mudanças definitivas no tempo e envelheceu. Já, o
ser humano, este amadureceu espiritualmente e concebeu novas crenças. Como já foi
dito anteriormente, existiam muitos deuses, tanto de natureza física quanto
natural. Com as mudanças ocorridas na mentalidade humana, o homem sentiu a
necessidade de diminuir o seu número.
Mas, o marco maior dessa transformação, foi surgimento do cristianismo.
Na avaliação de Fustel de Coulanges,
Com o cristianismo, não só o sentimento religioso se
reavivou, mas dirigiu-se a metas mais elevadas e menos materiais […] começou-se
a conceber Deus como sendo, na sua essência, realmente estranho à natureza humana
e ao mundo material […] Deus apresenta-se agora como um ser único, infinito,
universal, único gerador e esteio vital para os mundos, preenchendo sozinho a
necessidade de adoração inata no homem.[30]
A partir daí, com essa nova religião (Igreja Católica Apostólica
Romana), a mulher, os estrangeiros, os escravos, isto é, todos os seres
humanos, sem distinção, passaram a ser livres para render cultos perante Deus.
Perante o cristianismo todos passaram a ser iguais; os rituais praticados não
eram mais secretos. A vida do ser humano sofreu transformações irreversíveis.
Se na religião antiga o pai tinha direito e poder de vida e morte sobre a
família, agora o pai perdeu essa autoridade absoluta, passando os filhos e a
esposa a serem tratados como seu igual.
Outro ponto de grande
importância para os cristãos é o da centralidade da figura de Jesus Cristo. Os
cristãos reconhecem a importância dos ensinamentos morais de Jesus, entre os
quais salientam o amor a Deus e o amor ao próximo, e consideram a sua vida como
um exemplo a seguir. Acreditam que ele é o Filho de Deus que veio à Terra
libertar os seres humanos do pecado através da sua morte na cruz e da sua
ressurreição, embora variem entre si o entendimento quanto ao significado desta
salvação e como ela se dará. Para a maioria dos cristãos, Jesus é completamente
divino e completamente humano.
Com o cristianismo representado pela Igreja Católica Apostólica
Romana, constituiu-se na sociedade humana a Instituição entendida por muitos
como a mais poderosa do mundo, tendo sua sede em Roma, com o Papa sendo seu
representante maior.
Aqui no Brasil, o catolicismo foi introduzido com os europeus,
na época da colonização portuguesa, através dos missionários jesuítas. Estes,
para cá vieram em hum mil e quinhentos e quarenta e nove. Neste contexto, é
claro que o catolicismo aqui introduzido estava organizado de acordo com as
regras da Coroa Portuguesa, e o papel dos jesuítas era converter toda
população, tanto urbana quanto rural, e até mesmo os “aborígines”.
Mas, segundo Jaqueline Hermann,
apesar do esforço da Companhia de Jesus e de seu
inquestionável papel de disseminação do catolicismo em terras brasileiras, a
organização da instituição eclesiástica deu-se de forma extremamente lenta no
Brasil […] a colônia brasileira teria seu primeiro bispado, muito tempo o
único, criado na Bahia em mil e quinhentos e cinqüenta e um.[31]
Junto com o catolicismo veio também a devoção aos santos, tais
como Nossa Senhora, São Judas, Santa Edwiges, Santo Expedito e outros. Depois,
foram surgindo os santos brasileiros ou pessoas consideradas como tais, como
Nossa Senhora Aparecida, padre Cícero, frei Damião e outros.
Lembremo-nos que na Idade Média o culto aos santos era uma
prática constante. A Reforma Protestante atacou firmemente o culto a imagens,
mas o Concílio de Trento reafirmou e legitimou a veneração aos santos, pois
esses eram considerados os intercessores dos homens perante Deus.
Conseqüentemente, cresceu cada vez mais as devoções aos santos e surgiram
também várias devoções à Maria, como por exemplo, Nossa Senhora de Fátima, Nossa
Senhora Desatadora dos Noz, Nossa Senhora Aparecida (que se tornou a padroeira
do país, inclusive com uma igreja erguida para ela, aonde os devotos de todo o
Brasil vão para pagar suas promessas e deixar ali objetos representando a graça
alcançada).
Esse tipo de devoção acontecia (acontece), tanto em pequenas
localidades quanto nos grandes centros urbanos. E, com a vinda dos serviços
gráficos e da imprensa para o Brasil, intensificou-se mais ainda essa adoração
aos santos, pois surgiram os santinhos impressos em papel, junto com oração de
pedido, os quais até hoje podemos observar nas portas das igrejas, nas procissões
e nas romarias - sempre têm pessoas distribuindo esse tipo de material em
retribuição a alguma graça alcançada (é claro que com menos intensidade que a
alguns anos atrás), pois essa prática teve sua efervescência até os anos de hum
mil novecentos e sessenta - setenta, depois declinou.
Para esse declínio, na avaliação de Fernando Torres Londoño,
Vários processos podem ser apontados como responsáveis […] a
secularização do cotidiano celebrada pelos meios de comunicações; o crescimento
de novas igrejas e a evidência de outras religiões; as mudanças pastorais
provocadas com a implantação do Vaticano II […][32]
Esse declínio também pode ser atribuído a novos modos de vida,
em que um bom número de pessoas deixou a crença religiosa relegada a segundo
plano.
No tocante às procissões, em sua pesquisa sobre o catolicismo no
século XIX, Raimundo Arrais diz que
o trajeto da procissão revestia o espaço, no momento do
cortejo, de um sentido sagrado. Deslocando-se pelo espaço aberto, o cortejo,
que seguia o pálio com a imagem sagrada e outras imagens secundárias […][33]
Nas procissões, portanto, sempre estava em evidência a presença
das imagens, representando a possibilidade de intercessão pela intervenção
divina.
Segundo Raimundo Arrais,
gerido pela instituição jurídica do padroado o catolicismo
brasileiro que se desenvolveu no Brasil desde a colonização adquiriu um forte caráter
leigo. Era um catolicismo em grande medida movimentado em torno das confrarias,
irmandades e ordens terceiras e externado por meio delas.[34]
Nessa época, a edificação de um templo era bem demorada e tinha
um custo financeiro bem elevado. Ela era feita por meio de doações dos fiéis,
que davam desde terrenos até móveis preciosos, livros raros, etc. A sua
construção era tão demorada que, às vezes, o templo era aberto ao público com
as obras incompletas. Essa demora também era devido a proporções, opulência e
beleza arquitetônica. Todo esse trabalho era orientado pelas irmandades.
Entre muitos eventos proporcionados pela irmandade, as
procissões era um deles. Nesse tipo de evento era possível observar bem a
distinção social e o prestígio da alta sociedade existente no Brasil, pois as
pessoas ficavam divididas, isto é, as classes sociais não se misturavam. Havia
ali lugares pré-determinados conforme a divisão social.
O percurso das procissões era determinado pela localização dos
templos, pois em frente a eles haveriam paradas. Isso pode ser observado ainda
hoje nas procissões e nas romarias realizadas pela Igreja Católica, cujo
trajeto é definido de modo a passar, preferencialmente, em ruas onde ficam
localizadas as paróquias. Segundo o autor anteriormente citado, essas
procissões realizadas em meados do século XIX, além do caráter religioso,
serviam também para os senhores e senhoras se mostrarem em público com toda
pompa, onde as mulheres da alta sociedade apareciam todas muito bem
ornamentadas, com suas roupas e jóias caras, exibindo suas mucamas muito bem
arrumadas.
Dentre as procissões, o autor cita as que aconteciam durante a Quaresma,
onde tudo era silêncio, até os veículos eram proibidos de trafegar: eram as
procissões do Senhor dos Passos; dos Fogaréus; de Cinzas etc.
Ao longo de todo século XIX aconteceram também muitas
procissões, com intuito de pedir a contenção de calamidades da natureza ou em
agradecimento a algo alcançado pela comunidade (inclusive vindo para os dias
mais atuais, lembro que onde morei, em Guiratinga, no estado de Mato Grosso,
ocorria esse tipo de procissão, como por exemplo, em época que a seca castigava
a região. Nela, os moradores se uniam e saiam em procissão, uns com pedra na
cabeça e outros carregando vasilhas com água. Eles saiam da cidade rezando,
cantando e clamando a Deus por chuva. Iam até o Cruzeiro que existia na rodovia
que liga a cidade de Guiratinga ao distrito de Tesouro - ambas no estado de
Mato Grosso – inclusive, esse Cruzeiro fica bem distante da cidade. Chegando
lá, rezavam e cantavam, depositando as pedras e a água aos pés da Cruz. Eu era
adolescente nessa época e participei de várias dessas procissões).
Na avaliação de Raimundo Arrais, no percurso simbólico realizado
pelas procissões,
atuava o espírito competitivo da população. No interior das
freguesias, lavravam atritos entre as irmandades, por interesses e sentimentos
partidários de padres, vigários, membros das irmandades ou simplesmente o
orgulho localista dos moradores […] Neste contexto, a procissão reforçava a
sobreposição das demarcações eclesiásticas, políticas, administrativas e
policiais […][35]
Penso que atualmente esse espírito competitivo não se configura,
necessariamente, em eventos semelhantes, o que pode ser investigado caso seja
de interesse de algum pesquisador. Para os limites do meu estudo, situei as
procissões como um dos rituais da Igreja Católica, por considerar a Romaria dos
Mártires uma de suas formas de expressão na contemporaneidade. E é a ela que
passo a dedicar maior atenção doravante.
UNIDADE
III
“Mártir é aquele que dá um sinal extremo de sua fé em Deus e
testemunho de amor aos seus irmãos até o sacrifício extremo, sendo o testemunho
o que permanece fiel até o fim”.
(Pe. Giovane Pereira de Melo)
Na América Latina, desde o início de sua dita “colonização”
(processo que ainda hoje é avaliado como em andamento), o martírio se tornou um
grito tanto pela vida quanto pela fé. Devido a isso, a Igreja Católica tem
buscado manter sempre viva a memória de mártires que deram suas vidas na
tentativa de mudar a realidade das pessoas menos favorecidas da sociedade.
É neste contexto que passou a ser realizada, a partir de hum mil
novecentos e noventa e dois, em Rondonópolis-MT,
a Romaria dos Mártires, que vem constituindo-se como mais uma forma de
manifestação pública da fé religiosa. Mas não só, como poderemos ver mais
adiante.
As romarias estão construídas simbolicamente dentro do sistema
de significações do imaginário tradicional da religiosidade popular,
compartilhando, no meu entendimento, das mesmas significações da procissão.
Em Rondonópolis – MT,
ela acrescenta o fato social de congregar pessoas de diversos grupos sociais,
inclusive de lugares diferentes e até mesmo distantes, reunindo pessoas de toda
a micro-região, e não
necessariamente só católicos.
Figura 2: Micro Região de Rondonópolis
Fonte: Prefeitura Municipal de Rondonópolis
Castro M. Bartolomé Ruiz define a romaria como “um espaço social
de encontro de diversos grupos, e por isso é um espaço de transmissão e
partilha de imaginários, símbolos e significados”.
Com o passar do tempo, tal como na religião, nas romarias também
foram acontecendo transformações. Assim, “Foram organizadas romarias novas para
símbolos novos: Romaria de Canudos, Romaria de Zumbi, Romaria da cana, Romaria
da terra, Romaria do trabalho etc.”
Acrescente-se a essas, a Romaria dos
Mártires, que é uma homenagens aos religiosos e leigos assassinados por seu
engajamento em lutas sociais e políticas
em prol dos menos favorecidos, isto é, em causa dos oprimidos e dos
excluídos.
Os Mártires lembrados pela Igreja Católica no Brasil e, em
especial, pela Diocese de Rondonópolis-MT,
quando da realização da Romaria dos Mártires, são aqueles que deram sua vida
pelas causas dos acima mencionados, como, portanto, ocorre noutros lugares do
país.
Como sabemos, a cada ano surgem novos conflitos no campo, entre
os latifundiários e os excluídos da terra. E é nesses processos, por exemplo,
que ganham visibilidade essas pessoas - os mártires, religiosos ou não, que
arriscam suas vidas, confrontando, denunciando, organizando etc., e assim
buscando sanar ou ao menos amenizar esses conflitos.
Muitas dessas pessoas são perseguidas, torturadas, assassinadas,
uma maneira não só de conter a luta, mas de desaconselhar a tantos outros que
possam querer dela fazer parte.
Em vista disso, minha Monografia servirá também para manter viva
a memória desses lutadores, pessoas essas que protagonizam ações, tomam
iniciativa em lutas a favor dos injustiçados.
O Professor Ivanildo José Ferreira em entrevista que me
concedeu, contou-me que no ano de hum mil novecentos e noventa e dois, quando
se deu a primeira Romaria dos Mártires em Rondonópolis, haviam muitas questões
envolvendo trabalhadores em luta pela posse e permanência na terra, assim como
questões indígenas latentes, como a busca de garantia de seus territórios, de
dignidade às suas sobrevivências etc.
Nesse sentido, percebe-se que os temas que têm norteado ao longo
dos anos a ocorrência da Romaria dos Mártires, vêm sempre buscando dar um
enfoque maior às questões que procuram fortalecer as lutas sociais e políticas.
Segundo o Professor Ivanildo
Só para se ter uma idéia, aqui, o primeiro grande
assentamento na zona rural tinha sido a Gleba Rio Vermelho. Logo depois a
Cascata, Várzea do Ouro, enfim. Mas, assim, de movimento grande foi a Gleba Rio
Vermelho, que tinha mais ou menos quatro anos de assentados. Essas primeiras
Romarias tentaram fortalecer esses movimentos. E até me parece que valeu: o
número de assentamentos que a gente tem aqui na região é muito grande.
Portanto, se no seio desses movimentos pela terra se gestaram
tantos mártires, lembrá-los, a exemplo do que acontece na Romaria, é manter
acesa a chama da luta, que, pelo que se pode entender da fala do Prof.
Ivanildo, tem dado resultados, posto que muitos trabalhadores vêm conquistando
um pedacinho de chão.
Assim, pode-se dizer que a Romaria dos Mártires tem como uma de
suas finalidades lembrar às pessoas que dela participam, aqueles (as) que
morreram em defesa da vida de outros; lembrar que Mártires são aqueles que não
desistem da luta por uma vida melhor para seus semelhantes, mesmo que isso
signifique morrer por esse ideal.
A Igreja Católica tem valorizado a presença desses mártires na
construção de sua trajetória, o que é visível na Diocese de Rondonópolis,
através das paróquias que a compõem, que buscam também avivar por meio da
Romaria dos Mártires a memória dos seus fiéis, pois um povo sem memória é um
povo sem identidades, sem resistência e sem história. É uma maneira de não
deixar cair no esquecimento esses que tanto merecem homenagem e respeito pelo
desempenho que tiveram em lutas coletivas por justiça social. Quem sabe assim,
por meio dos exemplos deixados pelos Mártires ali homenageados, mantenha-se
acesa a chama da solidariedade entre as pessoas, que estão cada vez mais
distantes umas das outras, cada uma vivendo por si, sem preocupar-se com o seu
semelhante.
Castro M. Bartolomé Ruiz pondera que as romarias “são
constituídas com a significação de unir a fé com o compromisso social e
político.” Isso é
perceptível na Romaria dos Mártires, pois quem dela participa pode observar o
caráter religioso, social e político que a compõem através dos grupos ali
reunidos, tais como as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra), etnias indígenas, sindicatos e outros movimentos sociais e
entidades organizadas. Também se percebe a presença de políticos, alguns por
serem ligados a algum movimento social ou a grupos da Igreja Católica, e outros
somente com o interesse de marcar presença em um evento que tem grande
repercussão na imprensa, e que, obviamente, reúne um significativo número de
eleitores.
Mas, como surgiu a
Romaria dos Mártires? Onde e quando teria tido início? Busquei essa resposta
junto ao padre Giovane Pereira de Melo. Perguntei a ele se há algum livro que
fale sobre o assunto. Contudo, ele não pode me precisar. No entanto,
conversando com a professora da disciplina Monografia, Drª Laci Maria Araújo Alves,
ela me disse que possuía um livro que mencionava os mártires e que falava sobre
a primeira manifestação que se tornaria a Romaria dos Mártires.
Foi assim que tomei contato com o livro “Descalço sobre a terra
vermelha”, de Francesc Escribano. Nele, o autor conta a vida de Dom Pedro
Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia, estado de Mato Grosso. Também
registra a morte de alguns religiosos, tais como padre Rodolfo Lunkenbein,
Padre João Bosco Penido Burnier, eles que foram amigos de Dom Pedro.
Francesc Escribano diz que o
povo de Ribeirão quis celebrar a missa de sétimo dia [da
morte de padre João Bosco em 1976]. Depois da missa, fizeram uma procissão, que
acabou na porta da delegacia na qual haviam sido torturado as duas mulheres e
onde atiraram contra o sacerdote […] Os participantes da procissão derrubaram a
delegacia e levantaram uma cruz em memória de João Bosco. Atualmente, a cruz
está num local mais visível da cidade, ao lado da igreja de Ribeirão […] [que
se] transformou no ‘Santuário dos Mártires da Caminhada’
Parece ter sido dessa manifestação pública que teria se dado
início à realização da Romaria dos Mártires pela Igreja Católica. Busquei
outras fontes, mas não consegui encontrar nada a respeito, o que deixo como sugestão
a futuras pesquisas.
O Professor Ivanildo José Ferreira disse que também não saberia
dizer como a Romaria dos Mártires teria tido início em nível de Brasil.
Contudo, ponderou que ela vem acontecendo em lugares onde têm ocorrido grandes
conflitos, principalmente de terra. Lembrou de mortes acontecidas na região
centro-oeste, como em Mato Grosso a morte do padre João Bosco Burnier; do padre
Josimo Morais Tavares, no atual estado de Tocantins (que na época de sua morte
era território de Goiás).
Lembrou ele ainda, que nas décadas de 1970 e 1980, no Brasil
como um todo e também, de modo particular, no nosso município, havia inúmeros
conflitos ligados a questões da terra e que houve muitas pessoas que se
destacaram em lutas específicas, seja pelo direito de acesso à terra, à cidadania
ou a outros direitos (lembremo-nos que, nesse período, viva-se no Brasil o
regime militar, marcado pela perda de liberdades políticas, onde torturas,
assassinatos, exílios compunham uma triste rotina).
Fazer romaria é uma tradição antiga em todas as religiões,
culturas, povos e raças. Pode-se dizer que nas romarias estão imbricados temas
culturais, sociais, políticos etc. Todas as romarias têm sempre um objetivo a
alcançar, um sonho a realizar, uma meta a atingir.
A Romaria dos Mártires também se articula à Campanha da
Fraternidade, à medida que todos os anos adota o lema que é trabalhado durante
a mesma, que está sempre ligado a alguma problemática social.
Na trajetória percorrida pela Romaria dos Mártires, as multidões
caminham, levam seus símbolos, tais como velas; água; rosário; imagens de
santos etc.
Como participante, lembro que quando teve início, na década
passada, rezava-se a dezena do terço, e em cada dezena se buscava refletir e
responder a expectativas dos cristãos católicos. Durante o percurso, clama-se
por justiça através da Palavra; dos cantos que são escolhidos, coerentes com
suas temáticas; do teatro que é apresentado, a exemplo do que ocorreu em 2006
durante a procissão, com encenação da morte da Irmã Dorothy Stang, feita por
jovens da Diocese. Enfim, de maneira geral, pode-se dizer que tudo que acontece
durante a Romaria, os diferentes rituais que a compõem, tudo está ligado às
problemáticas da terra, das mulheres, dos indígenas, dos negros, dos
deficientes, dos idosos, dos jovens, do meio ambiente, das crianças etc.
A Romaria dos Mártires é uma experiência significativa, pois os
romeiros podem demonstrar seus sonhos e expressar a sua realidade. É claro que
cada pessoa tem um motivo particular que a impulsiona para essa caminhada, como
dona Raulina Medeiros Quedes, 59 anos, moradora no Bairro Santa Cruz,
participante desde a primeira Romaria dos Mártires que aconteceu em
Rondonópolis, no ano de hum mil novecentos e noventa e dois. Disse-me ela:
eu gosto muito de participar dos movimentos, assim da Igreja,
que é uma maneira de demonstrar aquele sentimento né? que a gente tem pelas
pessoas que doaram suas vidas pelo bem da humanidade. Então, isso traiz assim
pela época da Quaresma, é uma época de penitência, então, a gente faz um pouco também
como penitência né? Então eu acredito que é um momento que a gente tira pra dar
um testemunho da fé que a gente tem
Portanto, para ela, a Romaria dos Mártires é um momento de
expressão da própria fé, no tocante ao respeito a elementos da tradição católica,
e também uma expressão de reconhecimento àqueles que doam suas vidas na luta
pelos seus semelhantes.
Dona Maria Beltrame, 40 anos, moradora no Bairro São Sebastião,
falou-me que participa da Romaria há oito anos, porque “É um pouquinho de
muitas coisas, por exemplo, a caminhada a gente encontra muitas pessoas, de
muitos lugares.” Sobressai na sua fala essa pluralidade de lugares de onde vêem
muitas pessoas, o que demonstra que a Romaria dos Mártires realizada em
Rondonópolis – MT, extrapolou os limites do
município.
O jovem José Carlos Souza Costa, 19 anos, é uma dessas pessoas
que vem de um outro município para participar da Romaria dos Mártires.
Morador em Juscimeira, estado de Mato Grosso, ele me disse que
participa há dez anos. Tem como objetivo com essa participação “Se unir em prol
da comunidade, em prol das pessoas que precisa da nossa ajuda, fazer uma
revolução como os jovens fizeram nos anos 80 e fazer mudar. Isso hoje precisa
ser mudado entre as pessoas”.
Percebe-se na fala de José Carlos uma dimensão mais política na
razão que o motiva a participar. Ao falar de “revolução” dos jovens nos anos
80, pode ser que esteja referindo-se à participação estudantil, por exemplo, no
processo de redemocratização do Brasil, que foi muito significativa.
A Romaria dos Mártires, pelo que também pode ser percebido na
fala de José Carlos, não é apenas um agrupamento de pessoas dispersas, se bem
que têm muitos que vão apenas fazer um passeio; outros, para namorar, encontrar
conhecidos; outros para “fazer política”, por intermédio do encontro com seus
eleitores; outros por razões exclusivamente religiosas etc. Portanto, as
motivações até podem ser variadas, mas
há uma clara demonstração de fé, de sonhos e de esperanças, ainda que não seja
de todos.
Na Figura 3 abaixo, pode-se observar nos rostos das pessoas
expressões que revelam sentimentos de fé, esperança e de luta, sentimentos que
permeiam as romarias, pelo que eu mesma tenho podido sentir pela minha própria
participação.
Figura 3: Rosto de Fé e Esperança
Fonte: Itamar Eduardo Gonçalves Oliveira.
UNIDADE
IV
De um modo geral, pode-se dizer que numa perspectiva de
homenagear os mártires, de promover uma demonstração de fé religiosa e também,
de demonstrar engajamento em lutas sociais e políticas, é que no dia vinte e
dois de março, do ano de hum mil novecentos e noventa e dois, por meio de
trabalhos realizados pelo padre Giovane Pereira de Melo, Coordenador Diocesano
da Pastoral à época, e de seus colaboradores, o bispo Diocesano Dom Osório W.
Stoffel (Dom Osório faleceu no dia 10 de maio, de dois mil e dois (2002), aos 80 anos de idade, em
Rondonópolis, MT); padre Lothar Bauchrowitz,
vigário geral na época; do Professor Ivanildo José Ferreira e do Professor
Ademar de Lima Carvalho, é que teve início a Romaria dos Mártires em Rondonópolis. Portanto,
nesta data aconteceu a primeira Romaria dos Mártires em nossa cidade.
O Professor Ivanildo me contou que esse grupo, que fazia parte
da Coordenação da Pastoral Diocesana, tomou algumas providências visando
realizar o evento. Entre essas, o chamamento de outros coordenadores e
coordenadoras de pastorais e de movimentos diocesanos, para colaborarem na sua
organização; já esses, passaram a chamar mais colaboradores. E assim foram
formando-se as condições necessárias à realização da 1ª Romaria.
A primeira Romaria dos
Mártires em Rondonópolis, estado de Mato Grosso, foi inspirada na caminhada dos
mártires do estado, entre esses, de missionários que para cá vieram de outros
países e que morreram em defesa da dignidade da pessoa humana, pelo evangelho,
pela justiça etc.
O período escolhido para a realização da Romaria dos Mártires é
a Quaresma. Isso
porque a Quaresma em si já traz uma proposta de conversão da mente e do coração
humano, pois de acordo com o Padre Giovane Pereira de Melo, “O tempo de
Quaresma em toda Igreja
é o tempo de preparação para a Páscoa, tempo de ouvir com melhor disposição o
apelo que Deus nos faz para sermos generosos, santos, mais fiéis ao compromisso
do nosso batismo.”[43]
Nessa perspectiva religiosa vislumbrada na fala do Pe. Giovane,
o romeiro faz a caminhada na certeza de que Deus está com ele, porque como
disse Jesus: “Eu sou o caminho a verdade e a vida”, isto é, quem segue o
caminho de Jesus, nele encontra vida, esperança e principalmente força para
enfrentar os problemas e dificuldades do dia-a-dia.
Essa dimensão de fé cristã, pode-se observar também no que me
disse em entrevista o jovem Edér Bruno dos Santos, morador do município de
Pedra Preta, que participa há quatro anos da Romaria dos Mártires: “é uma
emoção muito forte […] que nóis como estamos caminhando mais pra frente, pra
Jesus, cada vez mais procurando a fé […] que a gente tem que ter muita fé em
Jesus, cada vez mais procurando a fé...”
Na minha pesquisa realizada a partir de registros diversos,
encontrados na Diocese de Rondonópolis, Jornal A Tribuna, em fitas de vídeos e em
entrevistas que fiz, observa-se uma grande união entre as paróquias para fazer
que a cada ano a Romaria se torne um evento maior. É bastante perceptível que
para alcançar esse intento, a Diocese tem contado, fundamentalmente, para a sua
organização e realização, com os católicos agregados em diversas paróquias. É
claro que a cada ano há uma certa variação dos organizadores
Inicialmente, pelo que se pode constatar nos registros com os
quais lidei, há uma divisão de tarefas feita pelo grupo responsável pela
realização da Romaria. Os trabalhos são divididos entre algumas equipes. Por
exemplo: uma das Romarias sobre a qual encontrei a documentação, estava assim
planejada a sua organização: a Paróquia Nossa Senhora Aparecida, sob a
responsabilidade do Prof. Adilson José Francisco e seus colaboradores, ficou
responsável pela animação da caminhada; a Paróquia Bom Pastor, sob a
responsabilidade de Luciana Santana da Silva, Ana Lúcia e colaboradores, ficou
responsável pela coreografia de abertura; a Paróquia Santa Terezinha, sob a responsabilidade
de Helena e Eliane e colaboradores, ficou responsável pela ornamentação do
altar; a Paróquia São José Esposo, sob a responsabilidade de Tânia Stoffel, Dety e algumas freiras e seus
colaboradores, ficou responsável pela Procissão da Palavra (que é a entrada
solene da Bíblia antes do rito da leitura); a Paróquia Sagrado Coração de Jesus
sob a responsabilidade do frei Erivan Messias da Silva e colaboradores, ficou
responsável pela dramatização do Evangelho; a Paróquia São José Operário ficou
responsável pelo Ofertório; a Paróquia Santa Cruz ficou responsável pela Ação
de Graça; a animação dos cantos da liturgia ficou sob a responsabilidade de
Edílson José Buoci, Olímpio Alves, Sebastião, Ronaldo, Marisbela e seus
colaboradores.
A realização da Romaria contou também com a colaboração de
vários órgãos da cidade, públicos e particulares, como o 5º Batalhão de Polícia
Militar de Rondonópolis, Corpo de Bombeiros, canais de televisão, como a TV
Cidade e TV Centro América, rádio Clube, rádio Amorim Juventude, rádio Tropical
FM-105, Jornal A Tribuna, Jornal Hoje, todos de Rondonópolis, Secretaria de
Saúde, que disponibilizou ambulância para pronto atendimento, Coordenação
Municipal de Desenvolvimento Urbano e de Transporte, entre outros.
Portanto, por meio da organização dessa Romaria, é possível se
ter uma idéia da organização das demais, assim como de quantos recursos –
humanos, materiais etc., são mobilizados para a sua realização.
Em todas as romarias, além de outros elementos que delas fazem
parte, muitos cânticos acompanham toda sua trajetória. Alguns são escolhidos
inicialmente pela comissão organizadora. Muitos deles se repetem todos os
anos. São cânticos que tem ligação com a
trajetória do povo e que falam sobre os martírios vividos na sua caminhada.
Selecionei alguns que têm sido comuns a quase todas as romarias que já foram
realizadas, fazendo deles um registro e uma breve apreciação.
ROMARIA DA ESPERANÇA
Eu sou teu
povo, eu sou/ em romaria vou/ Cantar o amor/ Vencer toda dor, eu sei que vou (bis).
1-Esta é a
romaria da esperança/ convidando todos que quiserem vir/ por os pés nessa
estrada sem bonança/ caminhando e aprendendo a repartir.
2-Nosso Deus
nos convida a caminhar/ Deus dos pobres, Jesus libertador/ nessa marcha todo
irmão tem seu lugar/ É o caminho da esperança e do amor.
3-Bendita e
louvada seja a romaria/ Que caminha para a terra prometida/ Vence a morte e
tantos males noite e dia/ e replanta nesse chão nova vida.
Como a música mesmo diz, a Romaria é uma caminhada de fé e de
esperança. Uma caminhada que busca a libertação não somente do pecado, mas
principalmente da opressão sofrida pelas pessoas devido às imposições do
sistema capitalista, sistema este que historicamente tem primado pelos
interesses individualistas, onde só quem possui alguma coisa é favorecido e tem
valor reconhecido.
O canto chama as pessoas para se unirem em prol dos menos
favorecidos que precisam de ajuda, “caminhando e aprendendo a repartir”.
BENDITA E LOUVADA
1-Bendita e
louvada seja, esta santa romaria / Bendito o povo que marcha, bendito o povo
que marcha, tendo o Cristo como guia. (bis)
Sou, sou teu
Senhor / sou povo novo, retirante, lutador / Deus, dos peregrinos, dos
pequeninos Jesus Cristo Redentor.
2- No Egito
antigamente / do meio da escravidão / Deus, libertou o sue povo, hoje Ele passa
de novo gritando a libertação. (bis)
3- Para a terra
prometida, o povo de deus marchou / Moisés andava na frente, hoje Moisés é a
gente, quando enfrenta o opressor. (bis)
Esse cântico é um clamor a Deus, pois segundo a Bíblia, Moisés
quando caminhou com seu povo no Egito, em busca da terra prometida eles fizeram
uma caminhada em romaria: andavam, cantavam, agradeciam e clamavam a Deus, como
se faz hoje nas Romarias: apresentam-se os problemas, as lutas diárias e os agradecimentos.
O POVO DE DEUS NO DESERTO ANDAVA
1. Povo de
Deus, no deserto andava/ mas à sua frente alguém caminhava./ O povo de Deus era
rico de nada,/ só tinha a esperança e o pó da estrada.
Refrão[ Também
sou teu povo Senhor,/ e estou nesta estrada,/ somente rua graça/ me basta e
mais nada. (bis).
2. O povo de
Deus também vacilava/ ás vezes custava a crer no amor./ O povo de Deus chorando
rezava,/ pedia perdão e recomeçava.
Refrão[ Também
sou teu povo Senhor,/ e estou nesta estrada,/ perdoa se ás vexes/ não creio em
mais nada. (bis).
3. O povo de
Deus também teve fome,/ e tu lhes mandaste o pão lá do céu./ O povo de Deus,
cantando deu graças/ provou teu amor, teu amor que não passa.
Refrão[ Também
sou teu povo Senhor,/ e estou nesta estrada,/ tu és alimento/ na longa jornada.
(bis).
4. O povo de
Deus ao longe avistou/ a terra querida que o amor preparou./ O povo de Deus,
corria e cantava/ e nos seus louvores seu amor proclamava.
Refrão[ Também
sou teu povo Senhor,/ e estou nesta estrada,/ cada dia mais perto/ da terra
esperada. (bis).
Esse canto chama as
pessoas para a caminhada em busca de justiça e pão para todos; a terra
esperada, que é a terra para todos os oprimidos, para todos os famintos de pão
e justiça.
PELOS CAMINHOS DA AMÉRICA
Pelos caminhos da
América (3x) / Latino América!
1) Pelos
caminhos da América, / há tanta dor tanto pranto / Nuvens, mistérios e
encantos, / que envolvem nosso caminhar. / Há cruzes beirando a estrada, /
pedras manchadas de sangue / apontando como setas / que a liberdade é pra lá.
2) Pelos
caminhos da América, / há monumentos sem rosto / Heróis pintados, mau gosto. /
Livros de história sem cor. / Caveiras de ditadores, / soldados tristes,
calados / com olhos esbugalhados, / vendo avançar o amor.
3) Pelos
caminhos da América, / há mães gritando, qual loucas / antes que fiquem tão
roucas, / digam onde acharam. / Seus filhos, mortos, levados, / na noite da
tirania, mesmo que matem o dia / elas jamais calarão.
4) Pelos
caminhos da América, / no centro do continente, / marcham punhados de gente, /
coma a vitória na mão. / Nos mandam sonhos, cantigas, / em nome da liberdade, /
com o fuzil da verdade / combatem firme o dragão.
5) Pelos
caminhos da América, / bandeiras de um novo tempo, / Vão semeando ao vento, /
frases teimosas de paz. / Lá na mais alta montanha, / há um pau d’arco florido.
/ um guerrilheiro ferido / que foi buscar o amanhã.
6) Pelos
caminhos da América, / há um índio tocando flauta, / que o sistema lhe impôs. /
No violão um menino, / e um negro toca tambores, / há sobre a mesa umas flores,
/ pra festa que vem depois.
A América Latina, desde a invasão dos europeus, vive em
constantes conflitos, ora por clamar por liberdade, ora por imposição de
governantes tiranos. Nela, vivem pessoas subjugadas pelo sistema, em que poucos
são respeitados; pessoas que são violentadas no mais fundo do seu âmago, onde
lhes é imposta uma nova cultura, que lhes subtrai antigos costumes, crenças,
valores etc. Ou ainda, o sistema lhes impõe uma guerra, em que são obrigados a
dar suas vidas, deixando de lado seus sonhos, uma guerra que não é sua, uma
guerra em que só os governantes e as elites terão benefícios.
A América Latina sangra e muitas vezes as pessoas não sabem o
que fazer, já que o sistema político e financeiro não dá nenhuma - ou pouca
chance para uma reação. Quando há uma reação, esta é logo liquidada, como é o
caso dos aborígines, que tentam até hoje se libertar das amarras desse sistema.
QUANDO O DIA DA PAZ RENASCER
1. Quando o dia
da paz renascer, quando o sol da esperança brilhar eu vou cantar. Quando o povo
nas ruas sorrir e a roseira de novo florir eu vou cantar. Quando as cercas
caírem no chão, o quando as mesas se encherem de pão eu vou cantar. Quando os
muros que cercam os jardins destruídos, então os jasmins vão perfumar!
Refrão: Vai ser
tão se ouvir a canção cantada de novo. No olhar do homem a certeza do irmão
reinado do povo.
2. quando as
armas da destruição destruídas em cada nação eu vou sonhar. E o decreto que
encerra a pressão assinado só no coração vai triunfar. Quando a voz da verdade
se ouvir e a mentira não mais existir será enfim, tempo movo de eterna justiça
sem mais ódio, sem sangue ou cobiça, vai ser assim.
Percebe-se a
esperança num novo amanhã. A esperança de uma Terra livre de todos os males da
ganância, das guerras. Uma terra onde
haja amor, paz e justiça.
MOMENTO NOVO
1- Deus chama a
gente pra um novo mundo/ de caminhar junto com o povo. / É hora de transformar
o que não dá mais / sozinho, isolado, ninguém é capaz.
Por isso vem, /
entra na roda também! / Você é muito importante! Vem (bis)
2- Não é
possível crer que tudo é fácil; / há muita força que produz a morte / gerando a
dor, tristeza e desolação. / É necessário unir o cordão!
3- A força que
hoje faz brotar a vida, / atua em nós pela sua graça. / É Deus quem nos convida
pra trabalhar: / o amor repartir e as forças juntar.
O canto é um chamamento para que as pessoas se unam em romaria
em busca de transformações, porque como o canto mesmo diz, nada é fácil. Tudo
se consegue por meio de lutas e de perseverança.
BANDEIRA
DE LUTA
Traga a Bandeira de luta. Deixa a Bandeira passar. / Essa é a nossa
conduta, / vamos unir pra mudar. (bis)
1) Deixe fluir a esperança porque na lembrança vamos resgatar. /
Guardada bem na memória, a nossa história vai continuar.
2) Baticundun na Bandeira, o baticundum da mudança chegou. / É na roça,
é na cidade, na sociedade sou trabalhador.
3) temos um projeto novo a cidadania no libertador / Não fique fora
parado se junte à moçada é nessa que eu vou.
4) Você um jovem consciente ajude a gente se organizar. / Buscando a
cidadania e no dia-dia vamos chegar lá.
Nas Romarias dos Mártires sempre é levada a bandeira dos
mártires em sinal de esperança e como uma forma de lembrar aqueles que doaram
suas vidas em busca de mudanças: de cidadania para todos deste continente
latino-americano; são lembrados os tantos que já deram suas vidas. A tarefa
hoje é nossa para que o pobre amanhã possa ter a terra garantida. Esse tem sido
também um papel da Igreja Católica hoje junto à sociedade, isto é, ela tem
também o papel de abrir os olhos de quem não quer enxergar o que se passa em
nossa sociedade.
RELIGIÃO LIBERTADORA
É por causa do
meu povo machucado / que acredito em religião libertadora / É por causa de
Jesus ressuscitado / que acredito em religião libertadora.
1) É por causa
dos profetas que anunciam, que batizam, que organizam e denunciam. / É por
causa de quem sofre a dor do povo. É por causa de quem morre sem matar.
2) É por causa
dos pequeninos e oprimidos. Dos seus sonhos, dos seus ais, dos seus gemidos. /
é por causa do meu povo injustiçado. / Das ovelhas sem rebanho e sem pastor.
3) É por causa
do que fez João Batista. Que arriscou, mas preparou a tua vinda. / É por causa
de milhões de testemunhas / que apostaram suas vidas no amor.
Por meio do canto dá para perceber que a Igreja Católica está
cada vez mais engajada na luta pela resolução de problemas sociais. E busca
através da memória de seus mártires avivar a consciência das pessoas, lembrando
aqueles que morreram (e que continuam a morrer), por uma causa nobre em favor
dos mais pobres.
IRÁ CHEGAR
Irá chegar um
novo dia / um novo céu uma nova terra, um novo mar. / E nesse dia os oprimidos,
/ numa só voz a liberdade irão cantar.
1) Na nova
terra o negro não vai ter correntes, / e o nosso índio vai ser visto como
gente. / Na nova terra o negro, o índio, o mulato, / o branco e todos vão comer
no mesmo prato!
2) Na nova
terra a mulher vai ter nome. / Vai caminhar lado a lado com o homem. / Na nova
terra Oneide, Rosa, Margarida, mulheres todas vão dançar ao Deus da Vida.
A letra busca incentivar a
luta por um novo mundo, onde todos possam ser iguais, sem distinção de cor,
sexo ou etnia. Uma terra sem as amarras das elites, que só oprimem os menos
favorecidos.
SANTA MÃE MARIA
1)Santa Mãe
Maria, nessa travessia, cubra-nos com teu Manto cor de anil / Guarda nossa
vida, Mãe Aparecida, Santa Padroeira do Brasil.
Ave Maria, Ave
Maria (bis).
2) Com amor
divino guarda os peregrinos nesta caminhada para o além! Dá-lhes companhia,
pois também um dia foste peregrina de Belém.
3) Mulher
peregrina, força feminina, a mais importante que existiu. / Com justiça queres
que nossas mulheres, sejam construtoras do Brasil.
Como o canto mesmo diz, assim como Maria, mãe
de Jesus, durante os sofrimentos que seu filho passou, assim são nossas
mulheres mártires, que mesmo com a presença constante da morte em suas vidas,
elas jamais fugiram da luta.
ACORDA AMÉRICA
Acorda América,
chegou a hora de cantar / O sangue dos Mártires fez a semente se espalhar:
(bis)
1) Nestes
campos, nessas raízes entrelaçadas de etnias tão misturadas / É assim meu povo a nossa América Latina.
2)Meu irmão índio, meu irmão negro, meus
latinos companheiros / Nós somos vítimas das dependências de um império
estrangeiro / É assim meu povo a nossa América Latina.
3) Eu me
pergunto e a nós todos, até que dia nós agüentamos essa violência? / Tomam as
terras, matam os índios, nos deixam restos de nossa América Latina.
A nossa realidade é vergonhosa. As favelas, os pobres, o subemprego,
o salário mal pago, o não reconhecimento como pessoa, nem como empregado.
Vivemos em um mundo onde a desilusão já é parte da vida de muitos; em que
muitos não sabem o que é respeito, lealdade, honestidade etc. Esse canto
convida a uma reflexão sobre como vive a sociedade latino-americana nos dias
atuais, e que a mudança só é possível através da luta e da resistência do povo.
De uma maneira geral, pode-se dizer que os cantos permitem uma
reflexão capaz não só de aguçar a fé religiosa, mas também de chamar a atenção
para problemas sociais, políticos, econômicos, culturais, ambientais etc., o
que no meu entendimento contribui para a construção de uma nova consciência,
capaz de humanizar a sociedade que tanto carece do conhecimento e da prática de
valores humanistas.
UNIDADE V
Nesta unidade, registro as romarias com os lemas que incorporaram
da Campanha da Fraternidade.
A primeira Romaria dos Mártires, como já disse anteriormente,
foi realizada no dia vinte e dois de março, de hum mil novecentos e noventa e
dois (1992). Ela teve como lema “Juventude - caminho aberto", mesmo tema
da Campanha da Fraternidade.
Ao incorporar o lema da CF,
a Romaria dos Mártires objetivou trazer para reflexão os jovens que não buscam
mais as coisas de Deus em suas vidas, principalmente nos dias atuais, marcados
pelo consumismo e violência.
Na minha avaliação, o resultado foi bastante positivo, pois como
participante pude observar que muitos jovens
se fizeram presentes, e que a cada ano eles têm estado mais participativos,
seja por meio da dança, do teatro ou na própria organização das romarias.
Figura 4: Jovens na Romaria
Fonte: Maria Aparecida Gonçalves.
A Romaria sempre traz lemas da Campanha da Fraternidade, estes
que têm estado ligados aos anseios da sociedade, com as carências que muitos
setores desta vivem e que precisam enfrentar.
O Professor Ivanildo disse que nós podemos dizer que é uma das
partes, um dos elementos, complemento da Campanha da Fraternidade se nós
considerarmos que a Campanha da Fraternidade é uma oportunidade de
evangelização dos cristãos católicos e dos cristãos em geral. Ela é um chamado
à conversão.
Nesse sentido, a Romaria dos Mártires é um momento dessa
evangelização no contexto da Campanha da Fraternidade. Não se liga diretamente
à Campanha da Fraternidade, porque ela pode obedecer aos chamados, aos
reclames, às necessidades particulares da Igreja Diocesana, de Rondonópolis-MT,
por exemplo. Então, ela pode ter temas destoantes [da Campanha da
Fraternidade], se a realidade de Rondonópolis assim o ensejar.
A segunda Romaria dos Mártires aconteceu no dia vinte e um de
março, do ano de hum mil novecentos e noventa e três (1993), com o lema
“Caminhamos buscando a vida, a esperança e a cidadania plena”.
Como sabemos, a cidadania é expressão de um conjunto de direitos
que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida em sociedade. Hoje,
quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da
tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo
social. E a Igreja Católica trabalhando esse tema na Romaria, busca reverter
esse processo de exclusão da cidadania.
A terceira Romaria aconteceu no dia vinte de março, de hum mil
novecentos e noventa e quatro (1994), com o lema “Em busca da vida, o
compromisso e a responsabilidade da família e da sociedade”.
Esse lema foi escolhido porque aquele foi o ano internacional da
família, e a Diocese como vem fazendo nesses anos de realização da Romaria dos
Mártires, trouxe para reflexão no evento a celebração da vida e também da
morte, que estão presentes constantemente nas famílias.
No dia vinte e seis de março, do ano hum de mil novecentos e
noventa e cinco (1995), com o lema da Campanha da Fraternidade “A Fraternidade
e os Excluídos”, a Diocese realizou a quarta Romaria. Conclamou-se, durante a
sua realização, a participação de todos na busca pela liberdade e igualdade
entre as pessoas, para que não haja mais discriminação e exclusão.
Na edição da quinta romaria, ocorrida no dia vinte e quatro de
março, do ano de um mil novecentos e noventa e seis (1996), além da homenagem
aos mártires, foi incorporado o lema da Campanha da Fraternidade daquele mesmo
ano: “Justiça e paz se abraçarão!”.
Foi um momento de grande apelo pela paz no mundo. Por ser um ano
em que aconteceriam eleições municipais em todo território nacional, a Diocese
de Rondonópolis trouxe também essa temática para a Romaria, com a finalidade de
discutí-la. Quis assim contribuir para a formação política dos cristãos, para
que exerçam sua cidadania como sujeitos na construção de uma sociedade justa e
solidária, e para que percebam que a política é algo que envolve todas as
relações humanas, desde a convivência familiar, a participação na escola, na
comunidade, nos sindicatos, associações e em todo e qualquer tipo de
organização. Exercer a função política de maneira coerente é também contribuir
para a paz entre os cidadãos e cidadãs.
A sexta Romaria aconteceu no dia dezesseis de março, de hum mil
novecentos e noventa e sete, com o lema “Rumo ao novo milênio com os mártires
da caminhada” (1997). A Igreja procurou por meio de reflexões sobre o lema,
fazer com que as pessoas não esqueçam nunca da memória daqueles que sofreram o
martírio, testemunho importante e inesquecível como estímulo às lutas sócias e
políticas.
A sétima Romaria dos Mártires foi realizada no dia vinte e um de
junho, de hum mil novecentos e noventa e oito (1998). Além da homenagem aos
mártires, a sexta Romaria trabalhou com o lema “A Serviço da Vida e da
Esperança”. Enfocou, por meio dele, a educação em seu sentido amplo.
Percebe-se que através da Romaria dos Mártires a Igreja Católica
quer não só evangelizar, mas contribuir para a transformação social, pois o
Brasil tem um grande índice de analfabetismo, o que tem colaborado para a
existência do desemprego, violência, corrupção, imoralidade, poluição,
impunidade, desertificação da terra, dignidade humana cada vez mais
desrespeitada e agredida, o que tem levado a uma forte queda na esperança do
povo, especialmente, entre os pobres, os oprimidos e os excluídos.
Sabemos que uma mudança profunda - que se faz necessária não só
no nosso país, somente poderá ocorrer com uma educação que atinja a globalidade
do ser humano, constituindo-se em elemento formador do cidadão; que valorize
também o aspecto informal, isto é, aquilo que se pode aprender na família, nos
vários ambientes da sociedade, fora das escolas, ou seja, uma educação digamos
que multidisciplinar e multicultural, possibilite à pessoa uma postura positiva
e madura na sociedade e no mundo, considerando as relações quotidianas, as
experiências afetivas e efetivas, tirando assim os menos favorecidos do individualismo
e da exclusão social; possibilitando a recuperação e a garantia de direitos que têm sido historicamente negados
etc.
No dia vinte e um de março, de hum mil novecentos e noventa e
nove (1999), a oitava Romaria que teve como lema “Sem trabalho... por quê?”,
focalizou a situação dos desempregados, especialmente em nossa cidade. Chamou
os seus participantes a fazerem um exame de consciência para enxergar o
problema e suas decorrências, orientando-os para viverem em comunhão com os
menos favorecidos e com os marginalizados, ajudando-os, sendo solidários, para
que todos tenham a dignidade do trabalho. Problematizou-se o fato de que num
país como o nosso, com tantas riquezas, poucos têm muito e a maioria não tem
direito a nada ou a quase nada.
Abordou-se o problema, falando de modo especial do Brasil,
relacionando-o ao agravamento da dependência que aumenta a cada dia em relação
ao capitalismo, com a opressão e a exclusão gerada por esse sistema, que tem
feito aparecer cada vez mais o aumento do número de desempregados,
especialmente entre os mais pobres.
E é essa diferença econômica e social que a Igreja Católica tem
buscado discutir, com o intuito de contribuir à formação de uma nova
consciência pela população, para que volte seus olhares a essas diferenças,
para o número gritante de desempregados, muitos que até já perderam sua
dignidade; para que todos possam ter trabalho adequado, proporcionando
bem-estar para si e sua família.
É no processo de lutas por mudanças desse tipo de realidade, que
já se fez muitos mártires, porque como situei noutros momentos desse texto,
esses acabam dando suas vidas na busca de resolução para os problemas
existentes.
Vemos que enquanto muitos jovens e adultos não conseguem entrar
no mercado de trabalho, muitas crianças trabalham desde cedo, seja como
engraxate ou quebrador de pedras, como diariamente é denunciado nos jornais, o
que representa a supressão da infância por meio da abominável prática do
trabalho infantil.
No dia dois de abril, do ano de dois mil (2000), começo de um
novo milênio, com o lema da Campanha da Fraternidade “Novo Milênio sem
Exclusão”, e em comemoração aos quinhentos anos de Evangelização da Igreja
Católica no Brasil, realizou-se a nona Romaria dos Mártires.
Foi dada uma maior ênfase aos negros, aos índios, já que esses
foram os grupos humanos mais explorados com a chegada dos europeus ao Brasil, o
que perdura, tendo até aumentado sobre os mesmos a violência, nas formas de
discriminação e preconceito. Também foi dada ênfase às mulheres, que têm
sofrido as mais diversas formas de violência, a começar pelas suas próprias
casa, dentro de suas próprias famílias. Ainda, à necessidade do regaste das
dívidas sociais, de diferentes ordens: educação; saúde, moradia etc. Foi
lembrado durante a Romaria o martírio sofrido pelos religiosos ou leigos, ao
longo desses quinhentos anos.
Segundo o jornal A Tribuna[46],
a realização da Romaria dos Mártires veio em um momento bem oportuno, pois no
dia trinta e um de março fora o aniversário do golpe civil-militar, que
aconteceu no ano de hum mil novecentos e sessenta e quatro (1964), regime esse
marcado pelo autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição
policial e militar, prisão e tortura dos seus opositores etc.
Menciona o artigo que nessa época navios saiam carregados de
alguns portos do país, com centenas de pessoas que defendiam as reformas de
base pregadas pelo ex-presidente João
Belchior Marques Goulart (Jango Goulart), e seus aliados, e por representantes
de organizações da sociedade civil organizada, que clamavam por mudanças.
Diz a matéria que
esses barcos iam lotados e voltavam sempre vazios. Pessoas foram martirizadas
por defender a solução para questões sociais; por lutar por uma sociedade justa
e igualitária. Um regime político que entre outros disfarces, disfarçara-se de
democrático e cristão, sufocando o grito
de muitos que tiveram a coragem de sair às ruas para defender os oprimidos
pelos interesses políticos e econômicos vigentes no país, que historicamente
vem beneficiando as elites nacionais e internacionais.
Segundo essse mesmo
artigo, a maioria desses mártires anônimos era cristã, sendo católica ou
evangélica.
A Pastoral Diocesana
demonstra em oportunidades como essas, das romarias, o seu engajamento nas
lutas pela superação da opressão e exclusão social através do resgate das
dívidas sociais, como por exemplo, lutando pela garantia do acesso à terra
através da reforma agrária, que contemple as necessidades do homem e da mulher
do campo, e também em defesa da implantação de uma política geradora de
emprego.
No dia dezoito de março, de dois mil e um (2001), a Romaria dos
Mártires, na sua décima edição, trouxe o lema “Sim à vida, não às drogas”. A
Diocese por meio da Romaria buscou discutir esse grave problema a partir das
contradições existentes entre o sonho de vida plena, prazerosa, harmoniosa e a
dura realidade cotidiana, marcada pela competição de todos contra todos. Ao
recorrer às drogas, seja ela cocaína, o tabaco e o álcool, e outros tipos de
drogas existentes, para aliviar as tensões do cotidiano, muita gente transforma
seus sonhos em pesadelo; o vício se torna uma doença que mata aos poucos e destrói famílias,
atingindo principalmente indivíduos menos protegidos ou em condições
psicológicas fragilizadas.
Dom Juventino Kestering dizia na ocasião que “a Romaria quer
fazer com que os cristãos assumam o seu compromisso de comunidade, de família,
de jovens e sua responsabilidade social”.
Na Romaria do dia dezessete de março, de dois mil e dois (2002),
enfocou-se o lema “Por uma terra sem males”, ligado à questão da má
distribuição de terra. Era a décima primeira edição da Romaria dos Mártires.
Nela, refletiu-se sobre a abundância de terra nas mãos de poucos
grandes latifundiários, enquanto a maioria da população, incluindo aí, é claro,
as etnias indígenas, vivem à míngua, sem um pedaço de chão para viver e
trabalhar, como é o caso dos índios Terena, que nos estados de Mato Grosso do
Sul e Mato Grosso há mais de vinte anos lutam por um pedaço de terra para serem
assentados e criar suas famílias. Dessa maneira, Romaria dos Mártires
demonstrou o engajamento na defesa de terras indígenas e de outros direitos.
A etnia indígena se fez representar na Romaria (e não só nesta,
diga-se de passagem), com os Bororo
e os Terena, que vivem em aldeias próximas à cidade de Rondonópolis. A participação deles foi de grande
importância para destacar o lema da Campanha da Fraternidade daquele ano.
Segundo o Jornal A
Tribuna do dia dezenove de março, de dois mil e dois, os índios Bororo, da
aldeia Tadarimana de Rondonópolis, e de General Carneiro, estado de Mato
Grosso, juntaram-se aos Terena, na Romaria dos Mártires, para expor seus
problemas para a sociedade rondonopolitana e pedir uma maior cooperação e
compreensão dos brancos, principalmente na preservação de suas terras, pois
como se não bastasse o que ocorreu no passado com esses aborígenes, a invasão
de terras continua, à medida que os madereiros e mineiros continuam com a sua
busca de riqueza fácil como dantes, não importando a quem estão prejudicando.
No dia vinte e três de março, do ano de dois mil e três (2003),
foi realizada a décima segunda Romaria dos Mártires, que buscou, além de manter
viva a memória dos mártires, por meio do lema da Campanha da
Fraternidade “Vida, dignidade e esperança”, refletir sobre a inclusão dos
idosos na sociedade; também, conscientizar as pessoas sobre a responsabilidade
que todos devem ter diante da grave situação dos idosos no país, pois muitos deles
vivem abandonados pela família e muitas vezes são jogados em asilos, sofrendo todo
tipo de preconceito, tendo assim, sua dignidade desrespeitada.
João Paulo II dizia que
os anciãos ajudam a contemplar os acontecimentos terrenos com
mais sabedoria...eles são os guardiões da memória coletiva e por isso,
intérpretes privilegiados daquele conjunto de ideais e valores humanos que
mantêm e guiam a convivência social. Excluí-los é como rejeitar o passado, onde
penetram as raízes do presente, em nome de uma modernidade sem memória
Refletindo essa citação tirada da Carta do Papa João Paulo II
aos Anciãos, é possível pensar sobre a realidade opressora e excludente imposta
aos idosos neste país, tanto pela sociedade quanto pelos próprios familiares,
que jogam essas pessoas em qualquer lugar, como se fossem imprestáveis, como se
já não servissem para mais nada. Como diz o Papa João Paulo: eles são as visões
do passado; é por meio da vivência deles que se pode continuar a planejar o
futuro, observando os erros e os acertos que eles cometeram no passado.
Outro lema da
Campanha da Fraternidade enfocado por uma das romarias foi “Água Fonte de
Vida”, esta que foi realizada no dia treze de março, de dois mil e quatro (2004). Foi a décima terceira
edição da Romaria dos Mártires. Nela, procurou-se contribuir à formação de
uma maior consciência contra o mal uso
da água, porque a tendência é desta ficar cada vez mais escassa.
Naquele ano, a
Romaria teve um significado especial, pois interpelou os cristãos e toda
sociedade para a defesa, preservação e cuidado da água.
Como disse Dom
Juventino Kestering na ocasião, “Água
é fonte de vida. Sem água ninguém vive. O planeta terra passa por uma grave
crise de água. Já são milhões de seres humanos que tem o acesso dificultado à
água potável.”.
No dia treze de março, de dois mil e cinco, com o tema da
Campanha da Fraternidade “Felizes os que promovem a Paz”, foi realizada a
décima quarta Romaria dos Mártires, que trouxe para reflexão a importância de
se fazer a paz, pois vivemos em um mundo onde a violência, a injustiça, a
individualidade etc., procuram ditar as regras.
A décima quinta Romaria dos Mártires foi realizada no dia 26 de
março de 2006, quarto
domingo da Quaresma. Teve como lema “Levanta-te e vem para o meio”, o mesmo
lema da Campanha da Fraternidade.
Como já foi mencionado, a Romaria é um grande momento para a
evangelização, e um de seus objetivos é promover atitudes de verdadeira
fraternidade e a verdadeira cultura da solidariedade social. Sabemos que no
Brasil, hoje, há cerca de 14,5% de pessoas com alguma deficiência, oprimidas e excluídas
de alguma forma. Sendo assim, a Diocese de Rondonópolis percebeu que era
necessário levantar também a sua voz, fazendo da Romaria um momento para chamar
os participantes para lutar pelos direitos dessas pessoas. Buscou conclamar a
sociedade a ter gestos concretos de inclusão social para as pessoas com
deficiência.
Portanto, temáticas das mais diversas têm dado vida às romarias,
permitindo aos caminhantes sobre elas refletirem, sendo estes convidados à uma
participação mais ativa nas lutas sociais e políticas, contra a opressão e a
exclusão, a favor da garantia de dignidade para todos.
UNIDADE
VI
A concentração da primeira Romaria foi em frente à paróquia
Santa Cruz (hoje Catedral), situada à Rua Frei Servácio, no Bairro Santa Cruz,
às dezesseis horas. Já, o local da celebração eucarística, fora na paróquia
Nossa Senhora Aparecida, situada na Avenida Sagrada Família, na Vila Aurora.
Em uma conversa informal com uma das participantes daquela
Romaria, a Professora Laci Maria Araújo Alves, ela me disse que lembrava do
percurso feito pela mesma, que fora a Rua Rio Branco, saindo da Catedral rumo à
Igreja N. S. Aparecida. Da maneira como ocorrera, o trajeto foi feito na
contra-mão. Daí o padre Giovane ter dito que durante a Romaria se estava
“caminhando na contra-mão”, e que tem sido assim com os mártires, que caminham
na contra-mão do que quer essa sociedade capitalista.
Por ser o primeiro ano de
edição, houve uma grande participação da população de Rondonópolis, que foi às
ruas em demonstração de fé, demonstrando acreditar que acima de tudo tem
esperanças.
Segundo a avaliação feita pela Pastoral Urbana e pela
Coordenação Diocesana,
a primeira edição da Romaria foi um marco na história da Igreja Católica em
Rondonópolis.
Para que um evento
dessa envergadura desse certo é claro que foi preciso a união das comunidades
católicas, pois o trabalho de organização é demasiadamente grande, ainda mais
em se tratando ser primeira Romaria. Também, os veículos de comunicação deram
toda cobertura desejada, tendo sido anunciada em jornais, rádios e canais de
televisões locais, o que certamente contribuiu para uma maior informação à
população.
O vereador e líder do PT (Partido dos Trabalhadores), à época,
Senhor José Ferreira Lemos Neto (Juca Lemos), assim avaliou aquela primeira
Romaria dos Mártires:
Este momento entrará
para a história como sendo de grande sensibilidade com todos aqueles que
‘deram’ suas vidas em defesa do direito à cidadania aos marginalizados pela
sociedade […] Os mártires são frutos de uma sociedade injusta, desigual e
violenta. Com certeza, todos nós que estávamos naquela Romaria, gostaríamos que
todos ali lembrados estivessem entre nós porque nossa busca é pela sociedade
justa e não de mártires. Mas jamais poderíamos esquecer destas pessoas que
fazem de suas vidas instrumentos de luta pela sociedade justa e fraterna […]
Rondonópolis jamais viu uma multidão tão grande em suas ruas. Isso mostra uma
Igreja vigilante e compromissada na busca de uma redefinição social. Cada passo
dado por cada pessoa na romaria, será instrumento na caminhada de uma sociedade
nova. A Igreja deu mais que um grande passo nesta direção. É por isso que
aplaudimos e participamos da Romaria.
E assim, a cada novo
ano, a Diocese de Rondonópolis está cada vez mais engajada na organização e
realização junto com seus colaboradores da Romaria dos Mártires, não unicamente
para homenagear os mártires como já foi dito, mas também para chamar a atenção
da sociedade para os problemas sociais que existem nesta cidade, para a
necessidade de buscar conjuntamente, soluções aos mesmos.
Com uma participação
cada vez maior da população rondonopolitana nas romarias, nelas percebe-se a presença de pessoas de
realidades sociais bem diferenciadas. Pessoas pobres e de classe média estão
cada vez mais presentes. É verdade que se percebe a presença de pessoas de
grupos sociais mais abastados. Há também a presença de pessoas de municípios
próximos a Rondonópolis, que a cada ano estão mais participativas: 1-Primavera
do Leste; 2 - Campo Verde; 3 - São José do Povo; 4 - Pedra Preta; 5-
Guiratinga; 6 - Poxoréu; 7- Juscimeira; 8- Jaciara; 9 - Dom Aquino; 10- São
Pedro da Cipa; e de municípios de outras regiões do estado.
Nesses grupos de visitantes, pode-se notar a presença de
adultos, mas a grande maioria são jovens. Como a jovem Bárbara Mascarenhas, de
vinte e dois anos, secretária paroquial, moradora do município de Juscimeira,
Mato Grosso, que participa há seis anos. Quando perguntei para ela o que a traz
para essa caminhada, ela me disse que
é uma procissão né? dos fiéis que estão lutando pela causa
né? da Campanha da Fraternidade. É uma devoção dos fiéis que somos por essa
luta […] eu acho a Romaria uma das caminhadas muito importante na nossa
diocese, muito importante mesmo.
A concentração de
pessoas de todas as paróquias de Rondonópolis, quanto de outros municípios do
estado de Mato Grosso, para o início da caminhada, é sempre às dezesseis horas. Já, o lugar de concentração,
assim como o percurso e o local de finalização têm sido variáveis.
A primeira Romaria,
como já situei, teve sua saída da Catedral Santa Cruz (que na época era ainda
paróquia), situada no bairro Santa Cruz. Os romeiros caminharam pela Rua D.
Pedro II até a paróquia N. Srª. Aparecida, situada na Rua Sagrada Família, na
Vila Aurora.
Já, a segunda
Romaria, esta saiu do Estádio Engenheiro Lutero Lopes, à época situado na
Avenida Bandeirantes. Os romeiros caminharam pela mesma Avenida, até a paróquia
São José Operário, pela a Vila Operária.
Na terceira Romaria, a saída foi da Praça dos Carreiros
(centro). Os romeiros caminharam pela Avenida D. Pedro II, pela Avenida
Marechal Dutra, passando pela ponte da
Vila Cardoso, seguindo pelo itinerário do ônibus até à Avenida Brasil, em
direção à Comunidade Sagrada Família, no Bairro São Sebastião I.
Já, a quarta Romaria, esta teve sua saída da Praça dos
Carreiros. Os romeiros caminharam pela Avenida D. Pedro II até a Catedral Santa
Cruz.
Na quinta Romaria, o ponto de saída foi da Catedral Santa Cruz.
Os romeiros caminharam pela Avenida Dom Pedro II, pela Avenida Bandeirantes,
indo até o Estádio Engenheiro Lutero Lopes.
A sexta Romaria teve sua saída da Praça dos Carreiros. Os
romeiros caminharam pela Avenida D. Pedro II até o Estádio Engenheiro Lutero
Lopes, à época situado na Avenida Bandeirantes.
Já, a sétima Romaria, ela saiu da Praça dos Carreiros (centro).
Os romeiros caminharam pela Avenida D. Pedro II indo até o Estádio Engenheiro
Lutero Lopes.
A oitava Romaria saiu da Catedral Santa Cruz. Os romeiros
caminharam até o Conjunto Marechal Rondon, no bairro de igual nome.
Na nona Romaria a saída foi da Praça dos Carreiros. Os romeiros
caminharam pela Avenida D. Pedro II indo até a Catedral Canta Cruz.
A décima Romaria teve o mesmo percurso da primeira, pois saiu da
Praça dos Carreiros. Os romeiros caminharam pela Avenida D. Pedro II indo até a
Catedral Santa Cruz.
Já, a décima primeira Romaria, ela saiu da Praça da Saudade. Os
romeiros se dirigiram até o Ginásio de Esporte Marechal Rondon, situado na Rua
Poxoréu, esquina com a Avenida Rui Barbosa, no centro da cidade.
Quanto a décima segunda Romaria, esta saiu da Catedral Santa
Cruz. Os romeiros caminharam até a Paróquia Santa Terezinha, situada na Rua Rio
Grande do Sul.
A décima terceira Romaria saiu da Praça da Saudade. Os romeiros
caminharam pela Avenida Rui Barbosa, Avenida Francisco Félix, Avenida Cuiabá,
indo até o Porto do Cais, marco histórico de Rondonópolis, situado às margens
do Rio Vermelho, na Rua Rosa Bororo, encontro com a Avenida D. Wunibaldo
Talleur.
Já, a décima quarta Romaria, saiu da Praça da Saudade. Os
romeiros caminharam pela Rua José Barriga indo até a Rua Irmão Bernardes, no
Conjunto São José.
Quanto a décima quinta Romaria, esta teve sua saída da Catedral
Santa Cruz. Os romeiros caminharam pela Avenida Frei Servácio, pela Avenida
Fernando Correia da Costa, passando pela Avenida Presidente Médici, subindo
pela Avenida Ary Coelho, na Vila Birigui, seguindo pela Avenida José Pinto indo
até o centro de eventos da paróquia Santa Terezinha, na Rua Rio Grande do Sul.
Como foi possível perceber, se em alguns anos as romarias
tiveram percursos diferentes; noutros, no entanto, eles se repetiram.
Infelizmente, não consegui o registro completo de muitos dos percursos feitos,
o que deixo como sugestão para futuras pesquisas.
O que eu gostaria de ressaltar ainda, é que os percursos feitos
pelas romarias configuram uma outra espacialidade à cidade: a espacialidade das
romarias, a espacialidade dos romeiros, construída pela Igreja Católica, por
meio da ação de suas várias paróquias, e de apoiadores, tais como entidades,
outras instituições, movimentos sociais etc., uma espacialidade que decorre do
caminhar de milhares de pessoas – católicas ou não; cristãos ou não; portanto,
que além da fé cristã que têm a possibilidade de manifestar no trajeto que
percorrem, também são convidadas nele a refletir problemáticas sociais, posto
que todos são conclamados ao engajamento
em lutas pelo direito à dignidade humana, por justiça social.
Já, em sua finalização, sempre há um palco
montado para fazer o encerramento, seja em estádio, ginásio de esporte ou no
meio de uma rua/avenida.A Romaria sempre é encerrada com uma missa, que é
composta pelos ritos iniciais, ato penitencial, liturgia da palavra,
liturgia eucarística e ritos finais.
Na Romaria dos Mártires, volto a dizer, é sempre feita uma
homenagem à memória dos mártires, pois suas mortes estão carregadas de vida de
pessoas oprimidas e marginalizadas, de pessoas excluídas da vida em sociedade e
principalmente, dos excluídos da terra, porque eles morreram em busca da
liberdade e de uma distribuição de terra e de renda mais justa. Sempre é
proposto aos romeiros assumirem o compromisso de continuar a caminhada e a luta
dos mártires, pois só assim suas lutas e seus sonhos se tornarão válidos. É por
isso que a cada Romaria os participantes conquistam uma maior consciência e se
solidarizam de modo especial com todos aqueles que não têm uma vida digna. As
pessoas são levadas a refletir a realidade de nosso país, de nosso estado, da
cidade em que vivem, do bairro em que moram etc., a fim de que percebam o
quanto há por se fazer, para que todos tenham uma vida melhor.
Tudo é bem pensado para que sua realização transcorra dentro da
normalidade, sem contratempos. Como o percurso das romarias geralmente é longo
– já foram realizadas romarias com até oito quilômetros de caminhada, então, é
sempre pedido nas missas que antecedem o evento para que todos levem água,
especialmente porque a cidade de Rondonópolis é demasiadamente quente.
Os organizadores desse evento também têm a preocupação com o
cansaço dos participantes; que eles possam desanimar e deixar de fazer a
caminhada. Nesse sentido, como participante regular nas romarias, tenho observado
que durante a caminhada há sempre alguém falando palavras de incentivo, tais
como: “Vocês estão alegres? Nós queremos que vocês se alegrem ainda mais! Vocês
estão felizes? Nós desejamos que essa felicidade permaneça durante toda a
celebração e durante toda nossa vida”!
É perceptível que as pessoas se sentem revigoradas com essas
palavras, seguindo adiante.
Os mártires são
lembrados o tempo todo, tendo seus nomes ditos e repetidos. Sempre é lembrado
que a América Latina toda é um altar vivo de mártires, que levaram até às
últimas conseqüências a sua existência.
Lembro-me de Dom
Juventino Kestering dizer durante uma Romaria que mártires não são apenas
aqueles que morreram, mas que mártires são também os pobres, pois muitos estão sofrendo pela
discriminação, pela falta de moradia, pela falta de alimentação, pela falta de
saúde, pela injustiça na distribuição de terra. E que todos os participantes
deveriam trazer um pouco desse conceito de martírio para o seu cotidiano, ao invés
de se fazerem de cegos para não verem seus
irmãos passando necessidades, clamando por pão e moradia; irmãos
mendigando pelas ruas da cidade, crianças jogadas ao relento. Olham esses
problemas existentes na sociedade, dizia ele, com olhos de cegos.
Outro aspecto que pude constatar foi que para saber quem
pertence a determinada paróquia, sempre há o uso de uma forma de identificação,
tais como cor das bandeirolas ou
mensagens colocadas nas bandeirolas, como na Romaria do ano de hum mil
novecentos e noventa e quatro (1994), quando a paróquia Nossa Senhora Aparecida
representou a Igualdade; a paróquia Santa Cruz representou o Amor; a paróquia
Sagrado Coração de Jesus representou a Dignidade; a paróquia Bom Pastor
representou a Solidariedade; a paróquia São José Operário representou a
Responsabilidade; a paróquia São Pedro Apóstolo representou a Fraternidade; a
paróquia Bom Jesus representou a União; a paróquia Nossa Senhora de Fátima
representou a Verdade; a paróquia de Guiratinga representou a Esperança; a
paróquia do Conjunto São José representou a Nova Vida etc.
A Diocese de
Rondonópolis tem procurado sempre envolver todas as pessoas, de maneira
organizada, em torno de suas paróquias, levando o maior número possível de
participantes, que já chegou a mais de cinco mil pessoas numa única Romaria.
O número de
caminhantes chama a atenção das pessoas por onde passam as romarias, pois
aquelas que não participam, via de regra,
ficam nas portas das casas, nas
janelas, nas calçadas, nas praças etc.,
a olhar o cortejo que passa, conseguindo as romarias assim, chamarem também
a atenção das pessoas que apenas as assitem, para o martírio. A foto nº5 abaixo,
dá-nos bem a dimensão do número de caminhantes.
Figura 5: Caminhantes da Romaria
Fonte: Gonçalves, Maria Aparecida
Segundo pesquisas que
fiz em documentos da Diocese, a Igreja Católica teria nascido sob
o signo do martírio de Jesus, e cresceu regada pelo sangue de tantos mártires,
que souberam manter firme sua fé em Jesus, na esperança de que a vida vença a
morte.
Segundo o Padre
Giovane Pereira de Melo,
São cerca de 150 os missionários católicos, entre sacerdote e
religiosos, mortos nos últimos dez anos, numa média de dois por mês. Este
número, que não considera catequistas leigos, foi anunciado num martirológico
publicado pelas Pontifícias Obras Missionárias. Os assassinatos aconteceram em
terras consideradas ainda de missão, como África, Ásia, e também na América
Latina, em países que vivem em constante tensão social.
Nas romarias, muitos
são os mártires lembrados e homenageados, tais como Dom Oscar Romero; Margarida
Maria Alves; Pe. Josimo, Pe. Ezequiel Ramin; Irmão Vicente Cañas, Pe. João
Bosco Burnier; Marçal Tupã-h; Rodolfo Lunkenbein; Galdino Jesus dos Santos; os
índios Simão e Sepé Tiaraju; Santos Dias da Silva; Francisco Alves Mendes Filho
(Chico Mendes); Nativo da Natividade de Oliveira; Dorothy Stang; Dorcelina de
Oliveira Folador; Tito Alencar Lima; Silvia Maribel Arriola; Nestor Paz Zamora.
A Igreja Católica
está construída desde o seu início sobre a fé dos mártires, que teve Jesus
Cristo como seu maior exemplo de martírio, por
defender seus irmãos injustiçados. Daí, os seus seguidores que também
tinham - e que até hoje vem tendo, a mesma consciência de justiça que Jesus
pregava.
Mas é importante
citar aqui o que foi lembrado de maneira coerente, pelo Padre Giovane, e que
até hoje é cobrado da Igreja Católica:
Infelizmente há também os mártires feitos pela própria
Igreja. Quantas vezes na história a própria Igreja dos mártires se esqueceu de
seu passado e pôs-se, ela, a instituição salvadora, a fazer mártires em todo o
seu caminho? Quantas pessoas não foram sacrificadas só porque a Igreja não se
esforçou para entendê-las? Quantas missões não massacraram grupos, povos, continentes
inteiros por causa de sua cultura?
Exemplo do que é dito pelo Padre Giovane, foi a Inquisição, que
perseguiu, prendeu, julgou e condenou a mortes brutais pessoas que
manifestassem qualquer sinal de desaprovação aos atos e atrocidades cometidos pela
Igreja Católica, estas que eram consideradas hereges. Aviltamentos foram
cometidos contra sociedades indígenas, contra os negros, enfim, uma história
pela qual ainda hoje a Igreja Católica tem precisado prestar contas.
Hoje, muitos daqueles mártires do passado são reconhecidos pela
Igreja Católica, como São Sebastião, Santa Luzia, Joana d'Arc e outros, o que tem acontecido
mais pela pressão dos devotos, do que necessariamente por concessão da Igreja.
É verdade que a Igreja Católica, com o passar dos anos, vem
renovando-se através da fé, da ação e pelo testemunho dos mártires, que dão
lições de fé e crença em Deus.
E é por meio dessa fé que muitos avaliam que as pessoas se
lançam à luta para buscar a sua realização própria e também a de seus irmãos
rejeitados pela sociedade.
A Igreja Católica hoje parece estar
engajada na luta para intervir na diferença social gritante que existe. Digo
parece, até porque a Igreja Católica apresenta no seu seio também diferenças,
divergências, fissuras. Ela não é homogênea, como de resto não são homogêneas
outras instituições e entidades. Parece-me que nem poderia ser diferente, pois
a sociedade humana é toda perpassada pelas diferenças, pela diversidade, o que
nem sempre tem sido levado em consideração.
Em Rondonópolis, a Igreja Católica por meio da Romaria dos
Mártires tem buscado através da manifestação do martírio, levar os seus fiéis a
refletirem sobre o que acontece na sociedade; refletirem sua ação junto aos
oprimidos e excluídos. Segundo documentos da Diocese que consultei, é por isso
que a Romaria dos Mártires sempre tem seu calendário programado para a época da
Quaresma, que é um momento de reflexões, de busca espiritual, de demonstração
de fé.
A caminhada feita
pelos participantes das romarias é marcada, sobretudo, pela memória dos
Mártires, que ao longo da história, desde a Igreja primitiva até a Igreja
contemporânea, têm atuado como testemunhas de Jesus Cristo, solidários ao seu
projeto de libertação e salvação, a partir dos pobres, dos doentes,
marginalizados e oprimidos, dos encarcerados, que estão ali por terem sido
relegados pela sociedade; dos sofredores, dos indígenas, dos negros, que são
ainda grandemente rejeitados pela sociedade branca; as prostitutas, os bêbados,
os viciados em drogas, os menores de rua, os favelados, enfim, dos humilhados
de todos os tempos e lugares, pessoas essas que para a doutrina católica devem
ser os primeiros destinatários da revelação, do amor, da predileção e da
misericórdia divina.
A Romaria dos Mártires, localmente quer uma conscientização da
sociedade rondonopolitana sobre os problemas gerados pela opressão e exclusão
nesta cidade; que as pessoas deixem, ainda que seja um pouco, de lado, o
prestígio social e o egoísmo de pensar somente em si mesmas, pois o homem em
geral vem através dos séculos, em busca de uma direção, tentando aprender e
apreender sem fraquejar, mas sem o sofrimento das dores, sem levar muito em
consideração o próximo.
Mas, felizmente, já se nota a humanização do homem, que busca,
por exemplo, entre outras alternativas, na religião, o seu compromisso com o
sentido de fraternidade, liberdade e igualdade. Daí crescer a vontade de ajudar
alguém, seja pela piedade ou pela dor da consciência. O que importa é a atitude
e a ação, não importa se ela vem da piedade ou por peso de consciência; da
consciência política ou da fé religiosa: importante é que essa ajuda ou que as
mudanças necessárias ocorram.
Em busca de saídas
aos problemas que se vive em sociedade, estão engajadas também outras
religiões, outras pessoas, que não só os católicos, como disse o Professor
Ivanildo:
Nós temos em
Rondonópolis pelos menos duas ou três igrejas evangélicas tradicionais, as
quais são membros da Igreja Cristã do Brasil e que participam juntas, como
exemplo a Igreja Luterana. E outros irmãos não católicos.
A cada ano a Diocese de Rondonópolis tem apresentado nomes de
novos mártires, como na Romaria do dia 23 de março, de dois mil e três (2003),
que incluiu os nomes do juiz de Direito, Antônio Machado Dias, assassinado em Presidente Prudente-SP,
por ter sido rigoroso com os integrantes do crime organizado; e do jornalista
Tim Lopes, assassinado por denunciar a ação de traficantes nos morros do Rio de
Janeiro-RJ.
A Igreja Católica tem
criado organismos de solidariedade em favor dos que sofrem; encoraja seus
membros a suportar as perseguições, às vezes até à morte, como testemunho de
sua missão anunciando o Reino e denunciando a injustiça.
Nestes anos todos há
centenas de mortes que não foram registradas, mortes essas, de trabalhadores,
de índios, de negros, de escravos nas fazendas, de peões, de garimpeiros, de
crianças e de mulheres, que morreram pela fome, doença, abandono, pela exclusão
sofrida, morreram em busca de terra para manter a si e a sua família, enfim,
morreram em busca de uma nova sociedade.
Ao alcance dos olhos
das romarias estão os mendigos, que pedem da sociedade um pouco de atenção e
solidariedade; os moradores de rua, que não têm para onde ir e tantas vezes
causam pavor e indiferença; os idosos, muitos abandonados pela família e
considerados improdutivos pela sociedade; os prostitutos e prostitutas,
rejeitados pela sociedade mas explorados para o lucro e o prazer pelo mercado
do sexo; os encarcerados, vítimas muitas vezes de injustiças, discriminação e
de um sistema penitenciário que não lhes possibilita recuperação e reintegração
na sociedade; os deficientes, que além de serem rejeitados por membros da
sociedade e discriminados no mundo do trabalho, muitas vezes são rejeitados
pela própria família; os alcoolizados, que buscam na bebida a fuga dos
problemas causados pelo desemprego, pelos desajustes familiares ou pela doença
etc.
Vivemos em uma sociedade que vive enormemente em função dos
ideais do poder, do prazer, e o mártir é um exemplo do que significa realmente
amar. Para a Igreja Católica, Jesus
Cristo é o único que está presente no meio de nós e que é capaz de engendrar um
amor mais forte que os instintos, que a morte e todos os poderes econômicos e
políticos. Em Mt 25. 31-40, pode-se ler “O Grande julgamento”:
31 Quando, pois vier o Filho do homem na
sua glória, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua
glória;
32 e diante dele serão reunidas todas as
nações; e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos
cabritos;
33 e porá as ovelhas à sua direita, mas
os cabritos à esquerda.
34 Então dirá o Rei aos que estiverem à
sua direita: Vinde, benditos de meu Pai. Possuí por herança o reino que vos
está preparado desde a fundação do mundo;
35 porque tive fome, e me destes de comer;
tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes;
36 estava nu, e me vestistes; adoeci, e
me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me.
37 Então os justos lhe perguntarão:
Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos
de beber?
38 Quando te vimos forasteiro, e te
acolhemos? ou nu, e te vestimos?
39 Quando te vimos enfermo, ou na
prisão, e fomos visitar-te?
40 E responder-lhes-á o Rei: Em verdade
vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais
pequeninos, a mim o fizestes.
41 Então dirá também aos que estiverem à
sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para
o Diabo e seus anjos;
42 porque tive fome, e não me destes de
comer; tive sede, e não me destes de beber;
43 era forasteiro, e não me acolhestes;
estava nu, e não me vestistes; enfermo, e na prisão, e não me visitastes.
44 Então também estes perguntarão:
Senhor, quando te vimos com fome, ou com sede, ou forasteiro, ou nu, ou
enfermo, ou na prisão, e não te servimos?
45 Ao que lhes responderá: Em verdade
vos digo que, sempre que o deixaste de fazer a um destes mais pequeninos,
deixastes de o fazer a mim.
46 E irão eles para o castigo eterno, mas
os justos para a vida eterna.
Por meio dessa
parábola, Jesus mostrou que abraçou apaixonadamente a causa em favor dos
excluídos da sociedade. Por isso, como fala a Palavra, o que se faz aos
oprimidos, excluídos e abandonados pela sociedade, é a Jesus que se está
fazendo.
Muitos seguidores de
Jesus formaram comunidades a partir dos excluídos, como os pobres e os
escravos. Assim, como os mártires, todos também são convidados a acolher os
marginalizados da sociedade, reintegrando-os e dando-lhes nela um lugar. Além
do que, segundo a doutrina da Igreja Católica, no fim da vida todos serão
julgados por aquilo que fizeram ou que deixaram de fazer aos oprimidos e
excluídos.
Nesse sentido, avalio
que a Diocese de Rondonópolis, em eventos como a Romaria dos Mártires, vem
buscando contribuir com a construção de uma maior consciência das pessoas, para
que essas não tenham medo de lutar pelo que é certo, porque é preciso encontrar
meios e caminhos para uma melhor redistribuição da riqueza na sociedade, se é
que se quer tê-la mais justa e igualitária.
Durante a pesquisa
que fiz, gostaria de acrescentar ainda, vi que não só a Igreja Católica
regional, ou melhor dizendo, nacional, está engajada em manter viva a memória
dos mártires, pois também há uma preocupação do Papa, para que a Igreja
Católica nunca se esqueça da memória daqueles que sofreram o martírio,
testemunho importante e inesquecível. Seus discursos têm tido esse tom.
Dom Osório dizia que
A exemplo de Jesus Cristo, o sangue dos mártires que regaram
a terra se transformaram em semente de vida e esperança para milhares de irmãos
e irmãs. No gesto de repartir a semente queremos caminhar para a Páscoa,
passando pela morte do egoísmo, da indiferença, do preconceito e do comodismo e
ressuscitar com Cristo, para a vida nova da esperança, da justiça e da
fraternidade[55].
Pude constatar, por
meio de minha pesquisa, que a Diocese de Rondonópolis tem aproximado-se
bastante do alcance de seus objetivos.
Isso fica visível na fala do
jovem Edér Bruno dos Santos, quando me disse que das romarias que tem
participado ele leva para a sua vida
Uma emoção muito
forte […] que nóis, como estamos caminhando mais pra frente, pra Jesus, né?
cada vez mais procurando a fé […] que a gente tem muita fé em Jesus Cristo, em Deus
e, também mostrando pra sociedade, a humanidade que a gente seja, que tem que
ser, e preocupar com o próximo na sociedade, que a gente tem muita sociedade
desperdiçada, que não procura Deus, mas leva a procurar Deus.
Portanto, das
romarias - vividas também como sentimentos, como brota na fala de Éder,
ressalta-se a fé religiosa, que propaga e amplia, e a preocupação com a
humanização da sociedade, tornando-a mais fraterna e solidária. O que avalio
como relevante e merecedor de respeito por todos. Digo issso, porque é bastante
sentido em ambientes como a Universidade, espaço em que estou me formando,
preconceito em relação à religiosidade por parte de alguns intelectuais, que
parecem-me, não conseguem dimensionar o sentido sócio-político presente em
muitas de suas manifestações.
UNIDADE
VII
“[mártires] foi aquelas pessoas que morreram a favor dos
irmãos, em beneficio à alguém”
(Ana Lúcia de Larceda)
Figura 6: Os Mártires
Fonte: Itamar Eduardo Gonçalves de Oliveira.
Esta unidade traz um pouco da biografia de alguns mártires, que
a partir da Romaria dos Mártires tiveram uma oportunidade a mais para deixar o
anonimato e se tornar um pouco mais conhecidos.
Segundo alguns textos que li, os mártires da Bíblia são aqueles
que deram suas vidas em defesa da Palavra e dos ensinamentos de Jesus Cristo.
Já hoje, são considerados mártires aqueles que dão suas vidas para libertar as
pessoas que sofrem ao buscar dignidade de vida para si e para sua família, pois
a regra geral do sistema capitalista é que quem tem, sempre terá mais, e quem
não tem vai continuar sempre assim, porque não se esforça para fazer diferente.
Daí, quando surgem esses homens e mulheres que têm a coragem de mostrar suas
caras e exigir a partilha de bens que são socialmente produzidos, ou então que
foram disponibilizados pela própria natureza, são perseguidos, liquidados,
massacrados, além de outros tipos de atrocidades que acabam enfrentando. Mas
isso não intimida essas pessoas de coragem, pois elas vão até o último instante
de suas vidas perseguindo o seu propósito.
Na visão de setores da Igreja Católica, para terem essa força
muitos dos mártires têm Deus com eles, que os guia e os conforta com suas
palavras. Sabem que nunca estão sozinhos e sabem que por meio da doação de suas
vidas outros, pelo exemplo deixado, darão continuidade a essa luta. E que lá no
futuro, a partir do conjunto desses esforços a favor de um novo tipo de
sociedade, poderá acontecer a tão esperada libertação dos oprimidos e não
haverá mais opressão e exclusão.
Para a Igreja Católica, o mártir maior é Jesus Cristo. Com ele
estão os mártires da fé cristã, homens e mulheres, que fazem parte do mesmo
grupo ou comunidade. Estão aqueles que apóiam e se solidarizam com a mesma
causa e, conscientemente, assumem na sua vida a luta em busca de uma melhor
distribuição de renda e de terra para os pobres, enfim, que lutam por mais
justiça social. Essas pessoas enfrentam o martírio por causa do seu engajamento
explícito e concreto em projetos sociais que nem sempre - ou nunca - são de
interesse das elites políticas e econômicas.
O Professor Ivanildo em entrevista que me concedeu, disse-me que
em uma entrevista dada por Dom Osório W. Stoffel, este teria assim definido o
que é um mártir:
Não é preciso que a pessoa perca sua vida numa luta
específica para ser um mártir. A mãe que tem um bebê de colo e por ele faz o
melhor de sua vida, é uma mártir [mas] nem toda mãe é uma mártir, mas uma mãe
que não se alimenta por alguns dias e ainda assim consegue dar mamar para o seu
filho, é uma mártir.
A seguir, elenco os mártires que vêm sendo lembrados e
reverenciados durante a realização da Romaria dos Mártires, nos vários anos de
sua história aqui em Rondonópolis – MT.
PADRE
JOÃO BOSCO PENIDO BURNIER
Nasceu no dia onze de junho, de hum mil novecentos e dezessete
(1917), em Juiz de Fora, MG. Missionário, ele atuou entre
os índios na Prelazia de Diamantino-MT.
Foi morto no dia dez de outubro, de hum mil novecentos e setenta e seis (1976),
quando estava com Dom Pedro Casaldáliga, na cidade de Ribeirão Bonito, perto de
Barra do Garças. Eles foram socorrer duas mulheres camponesas, uma delas
grávida, que estavam sendo torturadas na delegacia. Diz-se que os gritos delas
eram ouvidos por toda a cidade.
Quando o Pe. João Bosco foi interceder por elas, foi agredido,
levando uma coronhada e um tiro fatal dado por um policial.
Pe. João Bosco agonizou por muitas horas, oferecendo a sua vida
pelos índios e pelo povo. Invocando a Jesus, ele teria dito a Dom Pedro: “Dom
Pedro acabamos nossa tarefa”.
MARGARIDA
MARIA ALVES
Nasceu em cinco de agosto, de hum mil novecentos e quarenta e
três (1943), em Alagoa
Grande, na Paraíba. Foi a filha mais nova de nove irmãos. No
entanto, isso não foi impedimento para que fosse uma das primeiras mulheres a
lutar pelos direitos daqueles que até hoje trabalham na terra. O contato
permanente com o setor latifundiário, que começou desde muito cedo, devido à
necessidade da manutenção da família, estimulou seus desejos para lutar pelo
trabalhador rural. Pelo fato de ser católica, Margarida teve uma grande
influência do Padre Geraldo, para ingressar no Sindicato Rural de Alagoa
Grande, na Paraíba. Caracterizada pela constância e disposição do trabalho, chegou
a ser tesoureira do mesmo e, em hum mil novecentos e setenta e três (1973), foi
eleita presidenta, sucessivamente, até mil novecentos e oitenta e dois (1982).
A sindicalista lutava pela defesa dos direitos do homem do
campo; pelo décimo terceiro salário; registro em carteira; jornada de oito
horas e férias obrigatórias. Foi uma das fundadoras do Centro de Educação e
Cultura do Trabalhador Rural, cuja finalidade é, até hoje, contribuir no
processo de construção de um modelo de desenvolvimento rural e urbano sustentável,
a partir do fortalecimento da agricultura familiar. Durante seus doze anos
dentro do Sindicato foram movidas mais de seiscentas ações trabalhistas contra
os usineiros e senhores de engenho da região da Paraíba.
Em seus anos de luta, nunca se registrou, na justiça, uma perda
de alguma questão do trabalho a favor do trabalhador rural. A sua luta era em
prol dos trabalhadores, motivo pelo qual sofreu várias ameaças e atentados à
sua integridade física. Como resultado de sua liderança, aproximadamente setenta
e três reclamações trabalhistas contra engenhos e contra a Usina Tanques foram
movidas, o que, no período ditatorial, produziu uma forte repercussão e atraiu
o ódio de latifundiários locais, que chegaram a ameaçá-la e intimidá-la.
Margarida, com sua personalidade forte e incansável, não se deixou abater por
esses efeitos, pelo contrário, tornava-os públicos e fazia questão de
respondê-los.
Margarida morreu assassinada, em doze de agosto, de hum mil
novecentos e oitenta e três (1983), defendendo os ideais e direitos dos
trabalhadores rurais. Para ela a vida tinha um só objetivo, e a frase que
sempre fará referência a ela diz: "É melhor morrer na luta do que morrer
de fome". Tinha quarenta 40 anos de idade, leiga e foi Presidente de
Sindicato dos Trabalhadores, membro da Comissão Pastoral da Terra – CPT,
da Diocese de Guarabira na Paraíba.
Enquanto brincava com seu filho, o assassino lhe apareceu na
frente e disparou-lhe no rosto uma carga de pregos e chumbo grosso. Severino
Cassimiro, seu esposo, que estava a poucos metros, assistiu petrificado a
tragédia. Quando avisada de que sua vida corria perigo, ela simplesmente
respondia: “Da luta eu não fujo”.
SANTOS
DIAS DA SILVA
Nasceu em vinte e dois de fevereiro, de hum mil novecentos e
quarenta e dois, na fazenda Paraíso, município de Terra Roxa, no Estado de São
Paulo.
Seus pais, Jesus Dias
da Silva e Laura Amâncio Vieira, tinham mais sete filhos, além de Santos, o
primeiro braço no potencial de trabalho da família. Durante quarenta anos sua
família trabalhou como meeira em diversas fazendas na mesma região.
Católico, desde a
adolescência participava das atividades religiosas em sua terra natal, entre
elas a Legião de Maria. A movimentação social da década de 1960 influenciou sua
atitude e de muitos outros trabalhadores rurais. Entre hum mil novecentos e sessenta
e hum mil novecentos e setenta, junto com outros empregados da Fazenda
Guanabara, participou de um movimento por melhores condições de trabalho e
salário. Por isso, sua família foi expulsa da colônia em que morava e teve de
morar na cidade, numa casa alugada.
Os pais e os irmãos
continuaram a trabalhar na roça, como bóias-frias. Santo resolveu procurar
outras oportunidades e foi morar em Santo Amaro, na região sul da capital de São
Paulo, área de grande concentração de indústrias. Ali, conseguiu trabalho como
ajudante geral na Metal Leve, empresa de componentes metalúrgicos. Participou
também das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs,
das quais foi um esteio propagador
No primeiro dia da
paralisação, ocorrida em vinte e oito de outubro, de hum mil novecentos e
setenta e nove (1997), as subsedes do Sindicato, abertas para abrigar os
comandos de greve, foram invadidas pela Polícia Militar, que prendeu mais de
cento e trinta pessoas. Sem o apoio do sindicato e com a intensa repressão
policial sobre sua ação, os metalúrgicos passaram a se reunir na Capela do
Socorro, sendo a Zona Sul a região de maior concentração da categoria. No dia
trinta, Santo Dias, como parte do comando de greve, saiu da Capela do Socorro,
para engrossar um piquete na frente da fábrica Sylvânia e discutir com os
operários que entravam no turno das quatorze horas.
No dia trinta
de outubro, de hum mil novecentos e
setenta e nove (1997), viaturas da PM chegaram, e Santo Dias tentou dialogar
com os policiais para libertar companheiros presos. A polícia agiu com
brutalidade e o PM Herculano Leonel atirou em Santo Dias pelas
costas. Ele foi levado pelos policiais para o Pronto Socorro de Santo Amaro,
mas já estava morto. O corpo de Santo Dias só não “desapareceu” por conta da
coragem de Ana Maria, sua esposa. Ela entrou no carro que transportava seu
corpo para o Instituto Médico Legal. Apesar de abalada emocionalmente e
pressionada pelos policiais, a descer, não cedeu.
Divulgada a notícia
de sua morte pelos vários meios de comunicação, seu corpo seguiu para o velório
na Igreja da Consolação. No dia trinta e um de outubro, trinta mil pessoas
saíram às ruas da capital para acompanhar o enterro e protestar contra a morte
do líder operário, que lutava pelo livre direito de associação sindical e de
greve, e contra a ditadura.
SILVIA
MARIBEL ARRIOLA
Mulher de sorriso longo, religiosa, salvadorenha de trinta anos,
era pequena, de aparência frágil, mas forte quando se tratava de encontrar uma
solução, ainda que arriscada, em situações perigosas.
Ela morreu em um acampamento destruído pela Guarda Nacional, ao
Oeste de San Salvador.
Esta mulher salvadorenha, juntamente com outras companheiras,
tornou-se religiosa do povo a serviço das maiorias pobres do seu país, uma
vocação que abraçou com muito amor e levou até às últimas conseqüências.
NESTOR
PAZ ZAMORA
Filho de um general boliviano, Nestor ingressou num seminário e
estudou teologia. Desde cedo, ligou-se às CEBs.
Mais tarde, como estudante de medicina, incorporou-se à Guerrilha de Teoponte
(cidade de Teoponte), na Bolívia.
A Bolívia é um país essencialmente cristão, em que nem todos estão
satisfeitos com a simples participação em cultos. Muitos se
engajam em lutas por transformação social e possibilitam mudanças históricas.
Nestor foi um militante da Igreja da Libertação na Bolívia. Toda
a sua vivência de cristão militante foi a favor de seu povo, lutando por uma
terra nova, onde o amor fosse a lei fundamental. Morreu de fome, no dia oito de
outubro, de mil novecentos e setenta (1970).
TITO
ALENCAR LIMA
Nascido em Fortaleza – CE, no dia quatorze setembro, de
hum mil novecentos e quarenta e cinco (1940), filho de Ildefonso Rodrigues de
Lima e Laura Alencar Lima.
Desejando uma vivência evangélica mais radical e a serviço dos
demais, escolheu a ordem dominicana para nela consagrar-se como religioso.
Estudou em Fortaleza com os padres jesuítas. Foi dirigente
regional e nacional da JEC (Juventude Estudantil Católica). Em hum mil
novecentos e sessenta e cinco (1965), ingressou na Ordem dos Dominicanos, sendo
ordenado sacerdote em mil novecentos e sessenta e sete (1967); e também foi
aluno de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP).
Militante da Ação Estudantil Católica, foi seu coordenador para
o Nordeste. Foi preso em hum mil novecentos e sessenta e oito (1968), sob a
acusação de ter alugado o sítio onde se realizou o Congresso da União Nacional
dos Estudantes (UNE), em lbiúna - SP.
Foi preso novamente em quatro de novembro, de hum mil novecentos
e sessenta e nove (1969), em companhia de outros padres dominicanos, acusados
de terem ligações com a Ação Libertadora Nacional (ALN),
e Carlos Marighela.
Frei Tito foi torturado durante quarenta dias pela equipe do
delegado Sérgio Fleury, e transferido depois para o Presídio Tiradentes, onde
permaneceu até dia dezessete de dezembro. Nesse dia, foi levado para a sede da
Operação Bandeirantes - Destacamento de Operações de Informações - Centro de
Operações de Defesa (DOI-CODI/SP), quando o Capitão Maurício
Lopes Lima lhe disse: "Agora você vai conhecer a sucursal do
inferno".
E foi o que ocorreu. Torturado durante dois dias, pendurado no
pau-de-arara, recebendo choques elétricos na cabeça, órgãos genitais, nos pés,
mãos, ouvidos, com socos, pauladas, "telefones", palmatórias,
"corredor polonês", "cadeira do dragão", queimaduras com
cigarros, tudo acompanhado de ameaças e insultos. A certa altura, o Capitão
Albernaz lhe ordenou que abrisse a boca para receber a hóstia sagrada,
introduzindo-lhe um fio elétrico que queimou-lhe a boca a ponto de impedi-lo de
falar.
Frei Tito foi deixado durante toda uma noite no pau-de-arara e,
no dia seguinte, tentou o suicídio com uma gilete, sendo conduzido às pressas
para o Hospital do Exército, do Cambuci, onde ficou cerca de uma semana sob
tratamento médico sem, contudo, deixar de ser submetido a tortura psicológica
constante.
Banido do país, em treze de janeiro, de hum mil novecentos e
setenta e um (1971), com outros prisioneiros políticos, em troca da liberdade
de um embaixador da Alemanha no Brasil, viajou para o Chile e depois para a
Itália e França.
Após algum tempo, instalou-se na comunidade dominicana de
Arbresle, tentando desesperadamente lutar contra os crescentes tormentos de sua
mente, abalada profundamente pela tortura. Já no exílio, foi condenado pela 2ª
Auditoria a uma pena de um ano e meio de reclusão, em vinte e três de
fevereiro, de hum mil novecentos e noventa e três (1973).
No dia sete de agosto, de hum mil novecentos e noventa e quatro
(1974), com trinta e um anos de idade, Frei Tito se enforcou, pendurando-se em
uma árvore. Foi enterrado no Cemitério Dominicano de Sainte Marie de la
Tourette, próximo a Lyon,
na França. Em vinte e cinco de março, de hum mil novecentos e oitenta e três
(1983), seus restos mortais foram trasladados para o Brasil, acolhidos
solenemente na Catedral da Sé, em
São Paulo, com missa rezada por D. Paulo Evaristo Arns, tendo
sido enterrado no jazigo de sua família, em vinte e seis de março do mesmo ano,
em Fortaleza-CE.
PE.
EZEQUIEL RAMIN
Tinha trinta e dois anos. Nasceu na Itália, em hum mil
novecentos e cinqüenta e três (1953). Foi missionário na diocese de Ji-Paraná,
Rondônia. Membro da Congregação dos Combonianos, veio para o Brasil em meados
de hum mil novecentos e oitenta e três (1983). Assumiu a causa dos
trabalhadores sem-terra e dos índios. Ganhou a confiança dos Suruí, que iam
procurá-lo para expor os problemas da aldeia.
Quando, em hum mil novecentos e oitenta quatro (1984), o Pe.
Ezequiel chegou a Cacoal, encontrou uma caminhada já feita. Havia comunidades
fortes e lideranças bem conscientes de suas responsabilidades. Não teve
dificuldade de se inserir. A idade, pouco mais de trinta anos, dava-lhe o
entusiasmo que o desafio exigia. Além do mais, Ezequiel tinha uma
sensibilidade, por certas questões, superior a de tantos outros padres. Foi quando, em uma região entre Mato Grosso e
Rondônia, na área pastoral de Cacoal, apareceu uma placa: “Fazenda
Catuva, proibida a entrada”.
Coisa estranha: duzentas e cinqüenta famílias trabalhavam
aquelas terras há mais de dois anos, convivendo com os únicos possíveis donos,
os índios Suruí, com os quais, porém, as famílias tinham conseguido estabelecer
relações de respeito e amizade. Porém, apareceu a placa e, com a placa, uma
cerca e uma porteira; e gente armada, do outro lado, inibindo qualquer
tentativa de aproximação. Os donos? Dois irmãos: Omar e Osmar, fazendeiros. No
papel, proprietários de 2.499
hectares. Na prática, tentando abocanhar 50 mil hectares
(alguém falava até em 100 mil); passando por cima dos índios, das famílias de
posseiros e de suas roças.
A questão chegou à paróquia. Pe. Ezequiel tinha chegado há pouco
tempo. Tinha demonstrado sensibilidade pelos problemas do povo. Havia coisas que o incomodavam profundamente:
as desigualdades sociais, sobretudo; os muitos que não têm nada e os poucos que
têm tudo; as injustiças; a arrogância de quem tenta se impor pelas armas ou
pela manipulação das leis. Em várias oportunidades ele tinha tocado nesses
assuntos, inclusive nas homilias e celebrações. Era de seu estilo trazer a
Palavra de Deus para a realidade das pessoas. O povo ouvia. Alguns
simpatizavam, outros o criticavam. Uns poucos manifestavam publicamente seu
desapontamento, tanto que o padre passou a gravar suas homilias, para que suas
palavras não fossem distorcidas e usadas como armas contra ele.
No dia vinte e quatro de julho, de hum mil novecentos e oitenta
e cinco (1985), padre Ezequiel foi ao encontro dos posseiros na Fazenda Catuva,
no município de Aripuanã. Na volta, na saída de uma curva, o ataque. Sete
homens armados (jagunços de fazendeiros da região), em posição de tiro,
esperavam. Dois deles abriram fogo, a uns trinta metros de distância. Estava
selado o seu fim.
NATIVO
DA NATIVIDADE DE OLIVEIRA
Presidente do Sindicato dos Lavradores Rurais de Carmo do Rio
Verde – Goiás. Foi assassinado em vinte e três de outubro, de hum mil
novecentos e oitenta e cinco (1985).
DOM
OSCAR ARNULFO ROMERO Y GADAMEZ
Nasceu em quinze de
agosto, de hum mil novecentos e dezessete (1917), em Ciudad
Barrios, em El
Salvador. Sua família era numerosa e pobre. Quando criança, sua saúde
inspirava cuidados. Com apenas treze anos entrou no seminário. Foi para Roma
completar o curso de Teologia, com vinte anos. Ordenou-se sacerdote em hum mil
novecentos e quarenta e três (1943).
Retornou a El Salvador,
na função de pároco. Era um sacerdote generoso e atuante: visitava os doentes,
lecionava religião nas escolas, foi capelão do presídio; os pobres carentes
faziam fila na porta de sua casa paroquial, pedindo e recebendo ajuda.
Durante vinte e seis anos, na função de vigário, padre Oscar
Romero conheceu a miséria profunda que assolava seu pequeno país. Em hum mil
novecentos e setenta e sete (1977), foi nomeado Arcebispo de El Salvador. No dia vinte e quatro de
março, de hum mil novecentos e oitenta (1980), Dom Romero foi fuzilado em meio
aos doentes de câncer e enfermeiros, enquanto celebrava uma missa na capela do
Hospital da Divina Providência, na capital de El Salvador.
DORCELINA
DE OLIVEIRA FOLADOR
Nasceu em vinte e sete de julho, de hum mil novecentos e
sessenta e três (1963), em Guaporema, estado do Paraná (PR). Chegou a Mundo
Novo – Mato Grosso do Sul (MS), em mil novecentos e setenta e seis (1976), com
onze anos de idade. Iniciou sua atuação na Pastoral da Juventude no ano de mil
novecentos e oitenta (1980). Em mil novecentos e oitenta e sete (1987), ajudou
a fundar o Partido dos Trabalhadores, candidatando-se no ano de hum mil
novecentos e oitenta e oito (1988), à vereadora.
Professora, poeta, artista plástica, em hum mil novecentos e
oitenta e nove (1989) começou a colaborar com o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), chegando à direção estadual
do Movimento e atuando como repórter popular do seu Jornal. Ajudou a fundar
também a Associação Mundonovense dos Portadores de Deficiência Física (AMPDF).
Depois de novamente candidatar-se a vereadora em hum mil
novecentos e noventa (1992), e a Deputada Estadual em hum mil novecentos e
noventa e cinco (1995), foi eleita prefeita de Mundo Novo para o mandato de hum
mil novecentos e noventa e sete (1997), a dois mil (2000). Seu mandato foi
interrompido em trinta de outubro, de hum mil novecentos e noventa e nove
(1999), às vinte e três horas, quando foi assassinada na varanda de sua casa.
FRANCISCO ALVES MENDES FILHO
Seringueiro desde criança, dedicou praticamente toda a sua vida
em defesa dos trabalhadores e povos da floresta. Participou da fundação dos
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e Xapuri, além da fundação do
Partido dos Trabalhadores do Acre, e do Conselho Nacional dos Seringueiros.
Reuniu em sua luta o trabalho sindical, a defesa da floresta e a
militância partidária, tendo sido o seu trabalho reconhecido internacionalmente,
sendo várias vezes premiado, inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU),
que o distinguiu como um dos mais importantes defensores da natureza, no ano de
hum mil novecentos e oitenta e sete (1987).
Através de sua luta pela implantação das reservas extrativistas,
Chico combinava a defesa da floresta com a reforma agrária reivindicada pelos
seringueiros, contrariando grandes interesses, principalmente os interesses de
latifundiários e da União Democrática Ruralista (UDR).
Em vinte e dois de dezembro, de hum mil novecentos e oitenta e
oito (1988), aos quarenta e quatro anos de idade, Chico Mendes foi assassinado
na porta de sua casa.
MARÇAL
TUPÃ-i
Índio Guarani. Nasceu em hum mil novecentos e vinte e quatro
(1924), e foi assassinado na aldeia de Campestre, município de Antonio João,
Mato Grosso do Sul, em vinte e cinco de novembro de hum mil novecentos e
oitenta e três (1983), aos cinqüenta e nove anos de idade.
Marçal, cinco dias antes de ser morto, havia recusado uma oferta
de dinheiro para facilitar a retirada dos índios Kaiowá, da área Pirakuá.
Em julho de hum mil novecentos e oitenta (1980), leu uma
mensagem para o Papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil, no
Amazonas. Na carta falava da tristeza sentida pelos índios, “pela morte de
líderes assassinados friamente por aqueles que tomam o nosso chão”.
GALDINO
JESUS DOS SANTOS
Liderança do povo Pataxó e
Hã-Hã-Hãe, nasceu em hum mil novecentos e noventa e dois (1952), na
Bahia. Na madrugada do dia vinte de abril, de hum mil novecentos e noventa e sete
(1997), Galdino, quarenta anos de idade, dormia sob um abrigo de usuários de
ônibus da 703/704 - via W-3 Sul, em Brasília – DF, quando foi alvo de um dos crimes mais bárbaros e
torpes de que se teve notícia na capital federal e no País.
Passageiros de
veículos que transitavam pelo local, com muito custo conseguiram apagar o fogo
que lhe ardia em todo o corpo, Galdino deu entrada agonizante mas ainda
consciente, no Hospital Regional da Asa Norte. Completamente cego devido às
queimaduras nas córneas, conseguiu se identificar para a equipe médica e
indicar a localização de seus companheiros. Antes de entrar em coma, perguntou
repetidas vezes: “POR QUE FIZERAM ISSO
COMIGO?” Galdino achava que havia sido atingido por um coquetel molotov.
Para todos, o choque
maior veio poucas horas depois, com a descoberta feita pela polícia: o fogo
havia sido ateado às suas vestes por um grupo de cinco rapazes de classe média
alta, entre 17 e 19 anos, a título de “brincadeira”.
Dias depois, o menor
Gutemberg, participante do atentado, confessava: o grupo fizera uso de dois
litros de álcool combustível, comprados cerca de duas horas antes do crime, especificamente
para efetuar a "brincadeira".
Com queimaduras em
95% do corpo, o que lhe comprometeu a integridade e o funcionamento dos órgãos
internos, Galdino não resistiu e faleceu às duas horas da madrugada, do dia
vinte e um de abril (Dia do Índio).
Galdino Jesus dos
Santos era indígena do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, que vive no sul da Bahia. Ocupava
a função de conselheiro em sua comunidade. Chegara em Brasília no dia dezesete
de abril, como parte de uma delegação composta por oito lideranças de seu povo.
Com o acompanhamento da assessoria jurídica do Secretariado Nacional do CIMI,
eles cumpririam a partir do dia vinte e dois de abril, uma intensa agenda de
reuniões com procuradores da República, parlamentares e membros do alto escalão
do Ministério da Justiça e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
O objetivo era buscar
apoio para a solução de um imbróglio judicial criado pelo Juízo da Vara Federal
em Ihéus - BA, que impedia o cumprimento de uma decisão
do Tribunal Regional Federal (TRF), da 1ª Região em Brasília, que meses
antes havia reconhecido à sua comunidade o direito de posse provisória sobre
uma área de cinco fazendas encravadas em terras indígenas.
Diferentemente do que
fora planejado, no dia vinte e dois de abril Galdino fazia a sua viagem de
volta, para ser enterrado.
PE.
RODOLFO LUNKENBEIN
Sacerdote salesiano, nasceu no dia primeiro de abril, de hum mil
novecentos e trinta e nove (1939), em Doringstadt
na Alemanha Ocidental. Veio para o Brasil em hum mil e novecentos e cinqüenta e
oito 1958. Tinha 37 anos e era diretor da Missão Salesiana de Meruri, no estado
de Mato Grosso. Foi assassinado no dia quinze de julho, de hum mil novecentos e
setenta e seis (1976), quando a aldeia dos índios Bororo, em Mato Grosso, foi
atacada por sessenta fazendeiros armados. Queriam vingar-se dos indígenas por
causa de problemas de terra.
Juntamente com Pe. Rodolfo, foi assassinado também o índio
Simão, e feridos outros tantos.
Rodolfo havia vivido toda sua vida em meio aos índios,
procurando, com eles, resgatar a esperança de vida da tribo. De fato, antes de
sua chegada à aldeia, as mulheres Bororo já não queriam gerar filhos,
decretando, desse modo, o desaparecimento da tribo. Já fazia seis anos que não
nascia uma única criança. Contudo, na missa de funeral de Rodolfo e do índio
Simão, já se podia contar numerosas crianças.
PE. VICENTE
CAÑAS
Tinha quarenta e oitenta anos de idade quando morreu. Nasceu em Albacete, Espanha, no dia vinte e dois
de outubro, de hum mil novecentos e trinta e nove (1939), e veio para o Brasil
em hum mil novecentos e sessenta e cinco (1965). Foi assassinado em abril de
hum mil novecentos e oitenta e sete (1987), num barraco à beira no rio Juruena,
Mato Grosso, por defender os direitos dos índios à sua terra, constantemente
invadida por madeireiros e latifundiários.
Ele trabalhou inicialmente com os índios “beiço de pau”, após
uma terrível epidemia que assolou esse grupo. Depois, com os Paresi, Miky, e
desde hum mil e novecentos e setenta e sete (1977), assistia os Enawenê-Nawê, vivendo como eles.
DOROTHY
STANG
Nascida em sete de
junho, de hum mil novecentos e trinta e um (1931), na cidade de Dayton, no Estado de Ohio, Estados Unidos.
Dorothy veio para o Brasil em hum mil novecentos e sessenta e seis (1966).
Fazia parte de uma congregação internacional da Igreja Católica – Irmãs de Notre Dame de Namur – que tem como
princípio ajudar os mais pobres e marginalizados.
Sua primeira experiência
foi em Coroatá (MA), onde acompanhou o trabalho dos agricultores nas
comunidades eclesiais de base. Com o passar do tempo, o povo já não tinha onde
plantar e precisava se submeter aos mandos e desmandos dos latifundiários.
Diante da situação, muitos migraram para o estado do Pará e Dorothy acompanhou
esse movimento. Aos setenta e três anos, voz baixa e mansa, andava sempre
sorridente e determinada.
A Irmã Dorothy Stang
foi assassinada com sete tiros, aos setenta e três anos anos de idade, no dia
doze de fevereiro, de dois mil e cinco (2005), às sete horas e trinta minutos
da manhã, em uma estrada de terra de difícil acesso, a cinqüenta quilômetros da
sede do município de Anapu, no Estado do Pará, Brasil.
Essa breve biografia
dos mártires aqui citados, dão uma clara idéia das razões pelas quais eles não
deverão ser esquecidos: o profundo engajamento e compromisso com as lutas a
favor dos mais necessitados, oprimidos e excluídos – os mártires das lutas
sociais e politícas, eles que são certamente, mártires da fé.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse trabalho procurei evidenciar a Romaria dos
Mártires: a sua origem, o sentido de sua denominação, a sua importância
sócio-político-religiosa; o que levou a Igreja Católica à sua realização;
procurei elaborar um breve histórico sobre os mártires que são lembrados e
homenageados; situar razões que levam à homenagem dos mesmos; procurei
registrar como tem ocorrido em Rondonópolis-MT,
a sua organização, trajetos, elementos que a constituem etc.
Eu, pessoalmente, nunca imaginei a dimensão de um evento dessa
natureza, ainda que venha dele participando há alguns anos, pois o meu olhar,
por exemplo, ficava bastante restrito à minha manifestação de fé: acompanhando
a Romaria, participando dos louvores que nela são feitos, por meio de cânticos,
orações etc.
Hoje, feita a pesquisa e, a partir dela, elaborado o presente
texto, tenho clareza que a sua dimensão é bem maior. E não só maior que aquele
meu olhar, mas maior ainda do que o olhar que ampliei com o estudo feito.
A Romaria dos Mártires, na minha avaliação, extrapola o âmbito
religioso, articulando-se aos âmbitos sócio-político, pois as reflexões que
possibilita realizar também são feitas sobre problemáticas retiradas do social,
em que os seus participantes são chamados não só a pensar sobre elas, mas a
agir, no sentido de lutar por mudanças que se fazem necessárias para a
construção de uma sociedade mais digna e justa.
Nesse sentido, avalio-a como uma romaria que apresenta
características militantes, o que no âmbito do presente estudo não conseguir
refleti, pois os referenciais que utilizei foi insuficiente. E aqui assinalo
uma contribuição do convidado para a minha qualificação – Professor e Mestre
Padre Giovane pereira de Melo, que tomo como sugestão para mim mesma como
pesquisadora, considerando que pretendo aprofundar a temática futuramente,
assim como deixo como sugestão para outros pesquisadores -, para trabalhar com
essa perspectiva militante vislumbrada, precisaria promover um diálogo com a
produção já existente sobre a Teologia da Libertação; sobre as Comunidades
Eclesiais de Base; sobre o catolicismo Popular etc.; que possibilitariam, no
entendimento dele, compreender uma ressignificação das romarias, se comparada,
por exemplo, a Romaria dos Mártires a outras formas tradicionais de romarias.
Por outro lado, quero acrescentar à minha avaliação, que vejo a
Romaria dos Mártires como uma possibilidade a mais para a humanização da
sociedade em que vivemos; de rompimento com a passividade; de estímulo à
construção de uma participação ativa em lutas sociais e políticas; que vejo em
manifestações como essa, de forte religiosidade popular, uma maneira de motivar
lutas sociais e políticas, que carecem de fé daqueles que delas participam, indicando
a fé como elemento que admite inúmeros significados e, como força
impulsionadora e movedora de ações engajadas, que tenham como meta mudanças e
transformações sociais.
Na realização da pesquisa encontrei muitas dificuldades. Entre
elas, a pouca documentação escrita sobre as romarias. Por exemplo: Na Diocese
de Rondonópolis – MT, só há registros até a 7ª
Romaria dos Mártires; os dados e informações levantados no Jornal A Tribuna
também ficaram aquém do que eu imaginava ali encontrar. Outra dificuldade foi a
minha própria falta de tempo: tenho vários afazeres: o tempo que “sobrava” é
que foi dedicado à pesquisa. Estudo; lido com as minhas atividades de mãe e de
dona de casa: no quarto ano cursei várias disciplinas, entre elas a Prática de
Ensino e Estágio Supervisionado, que teve muitas exigências. Possivelmente
teria conseguido encontrar mais fontes, contudo, especialmente o tempo exíguo
não me permitiu.
Construí e usei fontes orais, o que nunca havia feito até então.
Nelas percebi uma grande riqueza de informações, mas não consegui “explorá-las”
mais e melhor; também de outras maneiras, como sugeriu o Padre Giovane,
procurando saber dos participantes como eles compreendem a luta e a memória dos
mártires “sociais”, portanto, mais uma sugestão que deixo aqui registrada;
outras fontes orais poderiam ter sido construídas e usadas, mas pessoas que
teriam uma memória significativa sobre a Romaria, eu não consegui entrevistar:
elas estavam sempre muito ocupadas. Consultei fontes áudio-visuais (talvez
outras existam, pois sempre percebo pessoas filmando o evento, mas não tive
tempo para procurá-las).
Enfrentei, portanto, muitos limites, e não só documentais e de
tempo, mas também limites teóricos e metodológicos, como eu já havia alertado
na introdução: era a primeira vez que eu fazia uma pesquisa com vistas à
construção de conhecimentos. Ainda assim, considerando os limites com os quais
lidei, elaborei a abordagem aqui contida sobre o tema e sobre o objeto de
estudo que escolhi, compreendendo – e com humildade, que tal abordagem
apresenta um conhecimento possível sobre a Romaria dos Mártires.
Tenho dito à minha orientadora que pretendo aprofundar o estudo
ora iniciado nas fases seqüentes na minha formação, ao que ela tem expressado
apoio, dizendo que na continuidade poderei aprofundá-lo, cobrindo lacunas,
trazendo novos vieses, o que, aliás, convido os leitores e pesquisadores a
também fazerem.
Ao tratar do tema e do objeto de estudo, deixei de abordar
inúmeros elementos que constituem a Romaria dos Mártires, tais como: orações,
teatralizações, comportamentos (por exemplo: o Padre Giovane lembrou-me no meu
exame de qualificação que muitas pessoas fazem a caminhada com os pés no chão,
sem calçá-los) etc., o que fica aberto a novas pesquisas.
Na abordagem que construí estão presentes, portanto, os meus
próprios condicionamentos, o que acredito, não invalidem a sua realização, pois
nossas escolhas seja do tema, do objeto de estudo, das referências conceituais,
teóricas; dos métodos, das técnicas empregadas etc., serão sempre
condicionadas, seja lá qual for o caminho que escolhermos!
FONTES
Ana Lúcia Alves Lacerda, entrevista
realizada dia 26 de março de 2006.
Bárbara Mascarenhas, entrevista
realizada dia 26 de março de 2006.
Bruno dos Santos, entrevista
realizada dia 26 de março de 2006.
Daiane Alves dos Santos, entrevista
realizada dia 26 de março de 2006.
Ivanildo José Ferreira, entrevista
realizada dia 22 de janeiro de 2007.
José Carlos Souza Costa, entrevista
realizada dia 26 de março de 2006.
Maria Beltrame, entrevista
realizada dia 26 de março de 2006.
Raulina Medeiros Guedes, entrevista
realizada dia 26 de março de 2006.
Welinton machado Cabral, entrevista
realizada dia 26 de março de 2006.
Referencias
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delineamentos do espaço público no Recife do século XIX. In: Projeto História, (24), São Paulo:
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integral. Tradução: Jean Melville. Editora Martin Claret, Coleção: A Obra-Prima
de Cada Autor. São Paulo, 2002.
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de Mestrado).
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Doutorado).
http://arlindo_correia.tripod.com/101201.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_Dias_da_Silva
(Santo Dias)
http://www.acidigital.com/fiestas/quaresma/quaresma.htm
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=8388
(Margarida Maria Alves )
http://www.catolico.org.br/santo_do_dia/santo.php?codigo=198
http://www.cf.org.br/natureza.php
http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=2020&eid=257
http://www.pimenet.com.br/noticias.inc.php?&id_noticia=6656&id_sessao=2
http://www.torturanuncamais.org.br/mtnm_mor/mor_mortes_exilio/mor_tito_lima.htm
http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/documents/hf_jp-ii_let_01101999_elderly_po.html
Arquivo da
Diocese de Rondonópolis-MT.
Arquivo do
jornal A Tribuna de Rondonópolis.
A categoria comunidade aqui é utilizada de acordo com
o sentido que lhe á atribuído por Ruiz. Segundo o mesmo, As Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) são um exemplo paradigmático do processamento e
constituição deste imaginário social, de como os velhos símbolos são
respeitados na sua forma e transformados nas suas significações, alterando a
atuação social das pessoas e grupos sociais que vão-se “engajando na caminhada
das CEBs”; passando de uma atitude socialmente passiva,
alienada ou conivente com o sistema, a uma postura consciente, crítica e
comprometida numa ação social e transformadora. RUIZ, Castor M. Bartolomé A
força transformadora social e simbólica das CEBs. Petrópolis: Vozes, 1997.
[2] MARCONI, Marina de Andrade;
PRESSOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia:
uma introdução. 3. São Paulo: Atlas, 1992.
[4] TYLOR, Edward B. apud
MARCONI, Marina de Andrade; PRESSOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução, p. 41.
[5] KEESING, Felix M. apud
MARCONI, Marina de Andrade; PRESSOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução, p. 42-3.
[6] FOSTER, G. M. apud MARCONI,
Marina de Andrade; PRESSOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução, p. 43.
[7] MARCONI, Marina de Andrade;
PRESSOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia:
uma introdução, p. 163.
[8] COULANGES, FUSTEL. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin
Claret, 2002, p. 40.
[10] BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e
abordagens. Petrópolis: Vozes, 2004.
[11] CARDOSO, Ciro F.; VAINFAS,
Ronaldo (orgs.). Domínios da história:
ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
[12] SANTOS, José Luiz. O que é cultura. São Paulo: Brasiliense,
1983.
[13] VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história:
micro-hinstória. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
[14] SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São
Paulo: Cortez, 2000.
[15] VIEIRA, Maria do Pilar de
Araújo et alii. A pesquisa em história. São Paulo: Ática, 1998.
[16] TESORO, Luci Léa Lopes
Martins. Rondonópolis-MT: um entroncamento de mão
única. São Paulo: LLLMT, 1993.
[17] ISAAC, Paulo Augusto Mário.
Educação Escolar Indígena Boé-Bororo:
alternativa e resistência em Tadarimana. Cuiabá: Instituto de Educação, 1997.
[18] WÜST, Irmhild, apud ISAAC,
Paulo Augusto Mário, p. 71.
[19] SERPA, Paulo, apud ISAAC,
Paulo Augusto Mário, p. 43.
[21] NASCIMENTO, Flávio Antônio
da Silva. Aceleração temporal na
fronteira: estudo do caso de Rondonópolis-MT. São Paulo, 1997.
[22] FEIX, Plínio José. Os interesses sociais e a concepção política
e ideológica dos trabalhadores rurais assentados do MST: estudo de caso na região
de Rondonópolis – MT. Campinas: [s. e.], 2001, p. 28.
[23] MOURA, Carmem Lúcia Senra
Itaborahi de, apud FEIX, Plínio José. Os
interesses sociais e a concepção política e ideológica dos trabalhadores rurais
assentados do MST: estudo de caso na região
de Rondonópolis – MT. Campinas: [s. e.], 2001, p. 29.
[24] Idem, FEIX, Plínio José. Os interesses sociais e a concepção política
e ideológica dos trabalhadores rurais assentados do MST: estudo de caso na região
de Rondonópolis – MT. Campinas: [s. e.], 2001, p.
31.
[25] MARKUS, Maria Elsa. Trabalhadores Rurais Sem Terra: “Somo
nóis que é o Movimento”. São Paulo: PUC, 2001, p. 20.
[26] Idem, FEIX, Plínio José. Os interesses sociais e a concepção política
e ideológica dos trabalhadores rurais assentados do MST: estudo de caso na região
de Rondonópolis – MT. Campinas: [s. e.], 2001. p.
37.
[27] COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Texto Integral.
Tradução: Jean Melville. Editora Martin Claret, Coleção: A Obra-Prima de Cada
Autor. São Paulo, 2002. p. 40.
[31] HERMANN, Jaqueline apud
CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de
Janeiro, 1997, p. 347.
[32] LONDOÑO, Fernando Torres.
In: Proj. História. São Paulo, (21),
jun. 2002. São Paulo: EDUC, p. 252.
[33] ARRAIS, Raimundo. In: Proj. História. São Paulo, (24), jun.
2002. São Paulo: EDUC, p. 176.
[37]RUIZ, Castor M. Bartolomé. A força transformadora social e simbólica
das CEBS. Petrópolis: Vozes, 1997.
[51] Câmara Municipal de
Rondonópolis - MT. Moção de Aplausos / Protocolo nº. 2879, Proposição nº. 01.
[52] MELO, Pe. Giovane Pereira
(Coordenador Diocesano de Pastoral). Jornal A Tribuna, Opinião de Leitor,
Rondonópolis, 09 de março de 1994. p.
A2.
[54]Bíblia Sagrada, Mt 25. 31-40